Dezembro começou com uma novidade muito boa. Consegui vaga na residência da universidade. Isso implica viver dentro do lugar para onde vou (e estou) a maior parte do tempo; quer dizer que vou ter sossego em relação a uma das coisas que mais me entristece em Brasília: o preço (criminoso) dos aluguéis dos imóveis; e estarei no Plano Piloto, perto de tudo o que preciso por ora.
No entanto, junto com essa verdadeira graça que recebi, estão se criando "pesadillas" na minha mente.
Acabo de vir da minha nova casa. Dormi lá. A paisagem externa é linda - com muitas árvores e jardins -, mas a casa é uma bagunça para os meus parâmetros. Eu dividirei moradia com mais três caras que vivem com as janelas e as portas do apartamento fechadas. Cada um tem um jeito, mas parecem ser unânimes na questão de verem-se isolados em um mesmo espaço, com as suas portas e janelas cerradas. Apesar de ser compreensível o meu comentário a respeito do estado da casa (afinal, logo, estarei saindo de um lugar lindo, limpinho, organizado etc.), eu não me sinto bem apontando os erros dos outros, nem avaliando os demais... meu Deus!
Eu estou mal porque, mais uma vez, andei praticando a minha faceta "mestre dos magos". Eu dando conselhos a outra pessoa. Nossa! Eu!
Tento tomar cuidado com essas coisas de dizer "eu acho que você deveria..." ou me mostrar como quem tem o controle da situação, pois não sou perfeito ou completo; a minha vida, em vários aspectos, tampouco é um exemplo bem-sucedido. Estou meio exausto, cansado de estar sozinho; cansado de ouvir trombetas apocalípticas sobre o futuro; farto de, às vezes, ser do jeito que sou - e de me ver na iminência de querer vingança do mundo por isso. Não sei se se trata de não gostar de mim, eu tenho orgulho de mim, mesmo. No entanto, não sei, chego à conclusão de que sou bem estranho quando me vêm pensamentos super esquisitos de uma vida de solidão: vendo, ouvindo os outros vivendo, errando, e eu não. Por outro lado, eu tenho ciência de que muito do que olho e quero são construções, tipo ilusões, que, apesar de eu próprio tentar me convencer do contrário, vivo no anseio de encontrar a minha porção de ilusão. Acho que a maioria das pessoas vive para achar a sua própria porção de ilusão e se agarrar a ela: como não é concreta, torna-se impossível detê-la e tê-la de fato.
Acredito que as coisas complexas que estão na minha cabeça neste momento estão relacionadas ao fato da mudança de casa e por eu não estar conseguindo fechar este semestre. A trivialidade de estar com um texto por fazer e que simplesmente não sai me desestabiliza. Eu queria poder evitar situações de tensão nas quais as pessoas fazem qualquer coisa para se livrar de um fardo. Eu não queria ver o meu trabalho como um fardo. Além disso, eu me envolvi em uma atividade que está esgotando as minhas possibilidades de organização. Eu tenho pensado muito nessas duas coisas. Elas têm se afetado, e me afetado, ultimamente.
Eu fico pensando em um modo de coexistir com os meus problemas de uma forma que não me atrapalhe, para isso, tento entendê-los, negociar comigo mesmo possibilidades de aceitação. É nessas tais possibilidades que eu falho. Pareço não aceitar certas coisas em mim e no mundo. A questão é a seguinte, se vejo em mim um problema, recorro à razão para tentar observá-lo; eu, usando do intelecto, reafirmo a característica da humanidade a fim de desenhar-me falível, porém, no fundo, estou em uma empreitada medieval de extinção de demônios: a razão me convence de que posso resolver determinado(s) problema(s), desde que eu me transforme em uma hipótese(!). Nesse estágio, a minha humanidade é reduzida pela pretensa inexorabilidade da minha razão, ou melhor, da razão. No desenvolvimento, surge uma camada em que eu critico esse tipo de pensamento objetivista, no entanto sob ela reside a minha total entrega à racionalidade suprema. Eu me vejo exercitando belamente a hipocrisia. Este momento, por exemplo, é mais uma tentativa de racionalizar um descontentamento.
Digo que exercito a hipocrisia - mesmo que sem ter determinada uma intenção destruidora por trás das ações - porque, racionalizando por meio da observação certos problemas, consigo construir modelos lógico-linguísticos que convencem o(s) outro(s) da minha "posição diferenciada" diante da vida. Em uma espécie de estratagema, havendo percebido que os meus problemas não são tão meus, que são recorrentes por serem puramente humanos - e, enquanto noto os outros sofrerem por não observarem essa característica -, aproprio-me da noção para de alguma forma sair vencedor de um jogo esquisito, no qual eu deterei os louros da diferenciação. É altamente relevante para mim estar atento a essa questão, posto que todo esse percurso é uma silhueta sedutora, guia do caminho terrível e enfeitado da vaidade (que empurra os seres humanos no abismo da intransigência, da soberba e da arrogância). É quando eu estou a um passo de me tornar o dono da verdade.
Eu digo a mim - e aos outros - que essa tal verdade não existe, mas estou em uma sofisticada busca dela.
Eu digo a mim - e aos outros - que essa tal verdade não existe, mas estou em uma sofisticada busca dela.
É por essa razão que eu, às vezes, sinto-me mal por dar conselhos, muito embora eu ache que as coisas que penso precisam ser ouvidas por terem seu grau de virtude. Em verdade, apesar de me descrever meso-hipócrita, vejo que gostaria de encontrar pessoas que pensassem como eu penso, pois diversas vezes acredito piamente que partes da minha visão de mundo são as mais apropriadas em certos casos. Eu também quero um reino. Então, acabo observando que não sou tão diferente assim. Tudo isso me parece bastante humano. E, afinal, eu nasci e cresci em uma sociedade que nega a natureza, que foca na exatidão das formas, das medidas e, naturalmente, transporta o que as operações algébricas resolvem para as vidas. No entanto, somos células, fluidos e gases; vidas dentro de vidas. Não nos podemos controlar, além do imediato. É quando a fatalidade se mostra em sua forma mais crua: a possibilidade de organizar, mas sem poder controlar. Não sei se é o caso de me envergonhar por tudo o que expressei aqui, pois a minha tristeza não vai no sentido de querer extinguir isso - dado que a recusa à ideia da minha necessidade da lógica platônica seria uma própria recusa da minha inerente mediocridade megalomaníaca humana -, mas sim de me observar tão comum quanto quem não é, por exemplo, organizado com a casa (ou com aquele que parece desatento aos "benefícios filosóficos"). Devo refletir, nesse(s) processo(s), se eu também não estou fechando as minhas janelas e portas no estabelecer de julgamentos nos quais eu sempre serei o beneficiado, o eterno reizinho da casa.
É pelo fato de, sim, gostar de mim, que sigo atento.
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