segunda-feira, 13 de abril de 2009

Avaliar, verbo indefinido

Ter vinte e poucos anos na sociedade dos anos 2000 não é coisa fácil. Ora, muitos podem pensar "dizer isso é uma atitude esperada numa faixa etária ainda imatura, que acha ser tudo 'terrível'". Ou seja, tal afirmação seria, possivelmente, interpretada como mais uma frase lugar-comum, como tantas ditas pelos jovens. A questão se delimita melhor quando refeita, melhor dizendo, contextualizada: Ter vinte e poucos anos, e ser um estudante de Letras no Brasil, na sociedade dos anos 2000, não é coisa fácil. Há questões e provas difíceis de serem resolvidas; exemplo disso são os temas necessários de atenção, qual os métodos de avaliação (pelos quais todos passam), que se mostram, por ora, distantes de compreensões mais aprofundadas.

Chegar à universidade é um sonho, hoje, embalado desde a tenra idade. Quando finalmente se é parte dela, as coisas desenham-se de maneira curiosa. Para uns – mesmo depois de certo tempo passado –, o ensino superior não é nada mais do que uma extensão dos bancos da escola básica, no qual se passarão mais alguns anos com a recompensa, ao final dele, de um diploma de conclusão de curso. A outros – que aprendem com o tempo dedicado –, a universidade é uma nova etapa da vida, uma de crescimento e ampliação de pontos de vista, de revisão de idiossincrasias, enfim, uma oportunidade outra de repensar aspectos vigentes. Com o público de Letras as coisas não se diferem. Certamente, há universitários e há muitos universitários.

O curso de graduação em Letras é imenso, com um número idem de pontos e de abordagens. Ele, dividido em algumas habilitações, tem duração média de quatro a cinco anos. Durante esse tempo, existem diversas discussões em sala de aula sobre assuntos referentes a Literatura e Linguística, bem como a Ensino, uma vez que o direcionamento principal dessa graduação é à licenciatura. Contudo, fala-se muito acerca de bastantes coisas, sendo que delas nem sempre são retiradas conclusões práticas e/ou originais.

A avaliação é um desses pontos ainda não bem elucidados pelos pensadores que compõem a estrutura superior. Trata-se de um assunto delicado, pois para estarem ocupando as vagas universitárias, todos tiveram que passar por uma avaliação, ou melhor, por uma prova. As opiniões pouco divergem, posto que boa parte dos estudantes – já acomodados – não problematiza muito a respeito da chamada prova, eufemizada como "avaliação", sendo praxe ouvirem-se frases simpáticas a aplicação desse método no que diz respeito ao "conferimento" do que foi dado em sala de aula. De fato, brigar contra "a prova" seria o mesmo que empreender uma batalha de um homem contra a Hidra de Lerna. Destarte, se a criatura está confortável entre os humanos, que sejam pensadas maneiras para uma convivência, no mínimo, não-danosa.

Em seu texto, "Avaliação – da excelência à regulação das aprendizagens entre duas lógicas", Perrenoud coloca que o sistema de avaliação utilizado hoje na maioria das instituições de ensino não passa de uma "criação de hierarquias de excelência", no que tange à maneira que são feitas, baseadas na diferenciação dos "melhores", dos "piores" e dos "menos ruins" (até o dicionário do computador sugeriu a troca deste termo por "melhores"). Ele aponta o risco que pode causar uma atitude dessa espécie, pois as tais hierarquias mexem profundamente nas vidas dos alunos rotulados. De acordo com ele, a avaliação (posta atualmente) mostra-se como uma espécie de "negociação entre o professor e seus alunos", a fim de que eles realizem as atividades e cumpram seu papel de receptores a serem cobrados num momento em breve. O autor ressalta inclusive a conivência da família nesse verdadeiro mercado de concessões. Os pais, durante a escola, torcem pelas notas azuis do filho, firmes na crença de que o resultado delas implica no conhecimento adquirido pela criança e, por conseguinte, num futuro brilhante. Surgem, então, as "promessas": o menino é um bom aluno e, portanto, se dará bem na vida. Àqueles que não lograram o mesmo êxito serão dedicados castigos, reclamações, rótulos e até mesmo agressões físicas, pois são a camada "pior", de futuro nebuloso. Perrenoud traz questões para serem pensadas no que diz respeito a teorias muito vistas e pouco aplicadas e chama a atenção para uma "avaliação formativa", cujo foco seja na real aprendizagem do estudante, observando suas falhas de maneira que suas competências não sejam mensuradas por valores de finalidades em si mesmos. Sua proposta é a de um ensino mais democrático e atento às peculiaridades daqueles que estão nos bancos escolares.

Por outro lado, Stephen Kanitz, administrador e articulista da Veja, no seu "Por uma sociedade justa e eficiente", dirige sua crítica para os "menos ruins" (abordados mais acima neste texto); seu questionamento vai aos mestres que "passam a mão na cabeça dos seus pupilos". Comentando sobre sua fase de universitário, ele relembra o tempo em que não agia de maneira "justa" com seus professores, e tipifica a classe docente. Segundo ele, tem no Brasil dois modelos de professores: os "que corrigem de acordo com o que é certo e errado" (e os enumera, logo em seguida, como professores de engenharia, matemática, direito, produção, recursos humanos e, é claro, de administração) e os do tipo "mais humano e socialmente engajado, que dá nota pelo esforço despendido pelo aluno e não apenas pelo resultado". Provavelmente, fora com os deste segundo tipo que sua atitude não tenha sido a mais recomendada, pois, lembra ele, escrevia montes de "abobrinhas", com o objetivo de passar um bom tempo na prova e conseguir, desse modo, alguma nota diferente do temível zero. O administrador, mestre em Harvard, continua descrevendo que os alunos ensinados pelos professores "mais humanos" são muito simples de serem percebidos, tendo em vista que seus textos são repletos das "abobrinhas" – das quais ele mesmo se utilizou na juventude – e de frases-feitas. Kanitz completa que o assunto está longe de ser encerrado dado ser ele mais uma "famosa briga da turma da filosofia contra a turma da engenharia". Inicia, então, algumas indagações que flutuam em torno da contraposição dos adjetivos do título relacionadas à sociedade: justa (pelo esforço, pelo intuito de querer fazer) ou eficiente (com resultados efetivos e aplicáveis).

Os textos mostram duas visões que permeiam os pensamentos atuais, abordadas mais explicitamente no último, da Veja: a dúvida se avaliação deve ser calcada nos conceitos humanísticos (de atenção à individualidade e compreensão das diferenças estruturais de formação do sujeito) ou nos dicotômicos (de certo/errado e melhor/pior). Ambos os escritos apresentam lacunas: o primeiro traz, novamente, um problema enfrentado pela maioria dos graduandos das Ciências Humanas, o do mundo de teorias ideais e pouco aplicadas, já o segundo deixa clara a opinião vigente das demandas do Mercado, que nivela entre melhores, piores e medíocres.

Daí dizer quão complicada é a vida de um estudante de Letras no Brasil nesses anos 2000. Há algum tempo, o mundo vivia o nascimento de idéias, hoje muito difundidas, e, preservados os contextos, claro, vislumbrava-se uma motivação forte em defender ou adotar atitudes que levariam a uma eventual mudança, porém na dita "pós-modernidade", todas as ações são permitidas, o que não implica uma clareza nas intenções. Observa-se ser mais fácil preservar o status quo, isto é, não ir de contra ao "Sistema", afinal, para muitos (mas muitos, mesmo) teorias não levam a nada e o que realmente importa é o rendimento. Em contraposição, existem os que não vêm justiça num sistema tipificador de capacidade sustentado por provas realizadas em momentos definidos (e nada esclarecedores) de avaliação. A atual regra para alcançar uma excelente situação financeira, enriquecer, dar inúmeras palestras ou chegar a Harvard é apresentar resultados que correspondam à expectativa mundial, a que premia quem melhor se sair nas diversas provas e diplomações reguladoras da sociedade. Com relação às teorias humanísticas, as quais estudam os alunos de Letras – assim como os diversos outros de Humanas (ou não) –, é imprescindível se encontrar um modo pragmático, aplicável, a elas, do contrário, como disse Kanitz em seu artigo, será absolutamente fácil entender por que o Brasil é um dos últimos países do mundo no que diz respeito a patentes, por que nossos políticos são tão prolixos, por que há tanta gente usando de má-fé e, afinal, por que nossos cientistas e professores pertencem à Academia de Letras.