sábado, 31 de dezembro de 2011

Fuga no. 2(011)

Uma das músicas da minha vida começa assim: "Hoje, eu vou fugir de casa, vou levar a mala cheia de ilusão...". Desde ontem, eu venho tentando achar um modo de sintetizar 2011. Não consigo. Este foi um ano que não coube em si porque explodiu em um espaço azul.


Diversas coisas legais aconteceram durante o ano de 2011: (entre outras coisas) eu comecei a estudar disciplinas relativas às minhas preferências no mestrado; saí de um lugar ruim para um verdadeiro paraíso particular; viajei muito, inclusive para fora do país; consegui a minha bolsa e casa para dedicar-me aos estudos. Enfim, coisas que me fazem retirar do ano um saldo extremamente positivo.

Este ano foi caracterizado por participações especiais na minha vida. Recebi visitas de Aracaju, amigos que tinham algo para fazer aqui em Brasília. A breve presença deles foi um calmante para os tempos de solidão pelos quais passei. Poderia dizer que 2011 foi um ano azul escuro: lindo, firme, contudo solitário. Se em 2010, eu senti, neste ano, eu vivi a solidão, eu a vi maturando-se, de diferente formas eu estive sozinho, ainda que protegido. Ora quando não estava com ninguém, ora em momentos em que estava cercado de pessoas que de tão ligadas - mesmo sem querer - me isolavam ao lembrar-me acidentalmente da minha condição de ser solitário, eu não fui completo. Houve também quem me mostrasse por suas ações o meu equívoco em generalizar as pessoas. Elas me deram provas de que existe sim algo de bondade dentro de nós, seres humanos, ou seja nem todo mundo é um/a filho/a da puta mesquinho/a. Hoje, por causa delas, eu pondero a severidade com que julgo os outros. Isso foi e tem sido muito importante para mim, pois eu não acho legal cultivar sentimentos perversos. Eu sempre pedi a Deus que não me deixasse ser perverso, apesar dos pesares.

Posso dizer que 2011 foi um ano de realizações. Eu tive experiências que não julgava poder ter ou fazer. Passei por poucos apuros. Acho que também exercitei a previdência. Quando se está sozinho, consegue-se exercitar tanto que passa a ser preocupante... mas, no final das contas, eu permaneci respirando. 

Por falar nisso, acho que reclamei menos das coisas e me esforcei para adotar uma postura mais realista - menos mimada - a respeito do mundo. Não sei se consegui, porém isso refletiu-se nas coisas que disse e escrevi. Provavelmente, os momentos com a filosofia budista tenham trazido isso para mim. O Budismo, que pude conhecer mesmo em 2011, trouxe-me a noção de que não tenho de ter culpa por coisas que eu não causei (ou não causo). Cabe falar que este foi o ano de descobertas. Foi um ano espiritual, com certeza, meditei em templos budistas, conversei com espíritas, dancei em encontros hare krishnas. Eu comi, bebi, fumei, viajei. Eu experimentei. Aliás, essa é uma das coisas pelas quais ficarei bastante orgulhoso de 2011: eu não me furtei à novidade. Colocar-me aberto às experiências faz parte do acordo que fiz comigo mesmo quando reuni esforços para esta Caminhada. 

Do meu modo, estou vivendo. Eu digo "do meu modo" porque sou consciente dos meus limites, por isso, também em 2011, comecei a praticar a aceitação de quem sou eu, das minhas peculiaridades; posso dizer, comecei a me respeitar mais, apesar de vacilar bastantes vezes. Despertei, neste ano, para o fato de que há coisas em mim que não precisam mudar porque são a minha essência. Observando atentamente, elas são duplamente boas e ruins, constitutivas do que hoje eu sou - e que ainda não conheço. Percebi que preciso mesmo é aprender, durante toda a minha vida, a balancear energias. Talvez, seja essa a minha grande experiência humana.

Em 2011, eu senti o meu coração mais pesado. A poesia não teve tanto espaço na minha vida. A sua última expressão física foi em maio, quando, por meio de uma brincadeira, fantasmas do passado vieram me assombrar. Eu decretei, dali em diante, que só a concretude da prosa me acompanharia: ela poderia assumir contornos poéticos, mas seria calculada, precisa e contida, sem os arroubos permitidos no poético. Não escrevi mais poemas. Não os escreverei até o que eu espero chegar. Eu me deparei com o início do meu desprezo à humanidade, na verdade, a determinada parte dela. O sentimento tem sido um confronto constante. Venho tentando não odiar, não espalhar sentimentos daninhos. Penso, às vezes, se se trata de um ódio gratuito, mas, em seguida, vejo que não é tão "gratuito", posto que a cada representação midiática, a cada notícia de jornal, eu noto os posicionamentos de superioridade dessa camada social infame. Logo, eu sinto um quê de abominação e de confusão, pois tenho de conviver com exemplares mais ou menos parecidos com esses seres humanos cotidianamente. Por isso, senti-me bastante sozinho, pois não consigo ser contraditório o suficiente para louvar o que não aprovo. Foi ano de sofrimento também. 

Ah! O medo veio menos, mas esteve presente. Engraçado, eu não me lembro de situações extremas de medo em 2011. Acredito que devido à situação em que estive - no início do mestrado, viajando e fazendo o que profissionalmente me dava prazer - a esperança de um futuro tomou o lugar do medo. Eu, durante boa parte de 2011, estive vendo o quanto poderia crescer, o quanto a vida prometia para mim, quantas coisas eu poderia aprender, estar em contato etc. Como disse, estava dentro de um mundo novo, podendo agir do modo que eu acreditava. Nesses últimos meses, no entanto, é que ele voltou. O tempo de início passou e estou indo para o meio dos meus estudos: isso implica mais perto do fim. Ultimamente, venho me sentindo inseguro porque vi o que é viver sozinho, construir as coisas por mim mesmo e gostei. Tenho medo de não conseguir o que quero, de ser mais um com um título e nada mais... Brasília me trouxe tais sentimentos. Eu pude, morando um ano inteiro no Plano Piloto, ver o quanto ser parte das suas lubrificadas engrenagens. Fiz um ano aqui vendo como a cidade vive em uma bolha, muitas coisas aqui não condizem com a realidade, para o bem e para o mal, no entanto ela permanece plácida e concreta. Vivo em uma relação de amor e ódio por talvez ter encontrado nessa Brasília um espelho de um lado que ainda não superei. 

Por outro lado, a despeito desses medos, percebo o quanto consegui por estar disposto. É como se eu pudesse fazer qualquer coisa, mas se, ao mesmo tempo, houvesse um lado que me puxasse para a realidade do tempo e das limitações. O medo dos últimos meses vem no eco das diversas pessoas destacando o quanto é pouco dois anos para a pesquisa de mestrado. Tais lembretes tilintam que daqui a algum tempo estarei em um novo processo de início. Reside nisso o problema: eu não gosto da ideia implícita nos recomeços, a de sofrer para crescer. A felicidade tem estado tão próxima de mim que tenho a vontade de aprisioná-la em uma gaiola de eternidade. Mas tudo isso é só figura. Eu sei que vivo e vivo em um mundo real, no qual a felicidade é um situação de espírito. Eu conheço, temo e ainda tento fotografar o efêmero e o inconstante. Acredito que em 2012, depois de aceitar o conceito, deverei desenvolver e atentar para isto: a presença do devir.

Aconteceu, em 2011, o resultado das coisas descritas acima. Aprendi a ter orgulho de mim. Eu expressei  diversas vezes - inclusive aqui -, pois eu preciso de aceitação, mas isso deve partir primeiramente de mim mesmo. Houve momentos nos quais eu precisei fazer escolhas e eu pensei sempre, e primeiro, em mim; questionei-me se estaria sendo eu ou o que outros queriam que eu fosse. Eu iniciei a batalha para ser proprietário do meu território, para prestar menos atenção no que os outros dizem - eu enfrentei alguns/mas engraçadinhos/as, inclusive -: isso foi bom. Por muito tempo, eu não tinha noção do que eu realmente era  nesse mundo; vejo que estou na direção de iniciar a compreensão.

Acabei de olhar as últimas postagem de 31 de dezembro dos últimos dois anos. Observei que eu costumava fazer planos para o futuro. Depois, em 2010, não houve necessidade, pois estava super entusiasmado pelo fato de um ano que prometia, 2011. Enfim, para 2012, sinto que terei dois caminhos. Eu com 26, ou seja, cronologicamente, mais maduro, poderei seguir em uma direção sorumbática, afastada e descontente com o mundo, ou irei em uma rota de cada vez maior entrega ao que quero e aos meus desejos, sem temor vampírico do que virá. Sinto isso agora o meu eterno pêndulo, cujas forças oscilam em me puxar para um lado cartesiano e estrito em oposição ao lado dos prazeres da juventude e da abertura. Acredito que um dos meus maiores desafios será o de encontrar um meio termo, pois não me vejo, hoje, abrindo mão de nenhum desses lados. Ou seja, eles são partes de mim. O meu eu, o que eu sou.

Este blogue foi de grande utilidade em 2011, pois não sei se existem pessoas capazes de ouvir tudo o que eu coloco aqui. Eu também me senti bem desconfortável com algumas coisas que dizia, aconselhava, (principalmente), enfim, eu não me vi em posição de sinalizar caminhos a ninguém, visto que sou um poço de coisas mal resolvidas ainda. Já, aqui, no blogue, eu tenho como escrever, ler e me entender a fim de avançar. É um diário de bordo da viagem utilíssimo porque se transfigura em bússola também. Fico feliz por neste ano eu ter tido tempo para escrever as coisas que queria, de relatar experiências que não sei bem para onde vão me levar. Agradeço a oportunidade de ter como não enlouquecer.

E 2011 vai assim para mim. Este fim de ano passarei sozinho porque não me sinto boa companhia para ninguém que gentilmente tenha me convidado. Todos estarão "muito felizes" para mim. Eu não estou assim. Eu fico me dizendo "Pablo, não seja ingrato, veja o quanto você conseguiu em um ano", mas, depois, vejo que não estou sendo mal agradecido, de forma alguma. Acontece que sou humano, naturalmente eu quero mais. Se eu não quisesse além do que tenho, definitivamente, não estaria aqui, agora. Eu me esforço para ter uma relação (da minha parte) verdadeira e clara com Deus; desse modo, tem coisas na minha vida que estão "bem, obrigado!", mas há outras que não, e não posso fingir que elas não existem ou que tudo está perfeito, porque não está. Eu já deixei para trás aquela fase em que eu fazia de tudo para ser o bonzinho da história, o conformado com o que há de bom. Não mais. Mesmo que termine sem ninguém, não posso voltar atrás. Eu ainda me sinto sozinho, e não é estando com casais e famílias fofos que me sentirei diferente. Isso é uma questão que terei de resolver, eu. Ninguém merece fingimentos. Eu ainda acredito que a virada de ano deve ser um momento repleto de energias boas e boníssimas. A minha não está. 

Agora falta pouco para as 13h. E acordei para escrever. Resolvi dar adeus ao ano que, até agora, foi o mais importante para a minha construção e evolução. Não sei o que virá em 2012, mas, é claro, que espero coisas interessantes e iluminadoras de direção. Espero encontrar quem me entenda de algum modo e que precise ser entendido, que me atenda e precise de atenção. Eu sei que o que quero resvala no idealismo, mas depois de um ano azul escuro, eu preciso de outros matizes. Eu preciso. 

Eu acredito sim em 2012. Enquanto haverá diversos lábios desejando "Feliz Ano Novo", hoje, eu, em algum lugar, só, esperarei e pensarei no meu novo ano, a nova Estrada que se desenha a minha frente. Só sei que preciso estar alerta para seguir. Seguir...

A todos de boa vontade um 2012 cheio de Luz. Àqueles de má vontade, vão ouvir música, vão ouvir Vaca Profana... Que todos se amem e, também, me amem. Amém!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Listo

fonte: You Tube

[Agora uma frase que ninguém falou nessa iminência de fim de ano:] 2011 está acabando [Hahahaha!]. Esta é a sensação que me deu agora. Eu sinto como se uma parte do ciclo estivesse se fechando.

Hoje é o meu último dia aqui na casa de Jacque. Eu deveria estar levando o resto das caixas e malas para a outra casa, mas não sei o que passa: não estou com ânimo, só quero aproveitar o friozinho desse dia. O tempo também está de um modo preguiçoso. Acho que eu e ele estamos relutando em mudar, de alguma forma.

Eu sinto que estou indo para mais uma etapa da caminhada; estarei diante do que me dispus a buscar. Coisas minhas, coisas que eu, e, talvez, só eu entenda. A questão é que esses meses na casa de Jacque me serviram como um verdadeiro unguento, posto que me sentia intoxicado no lugar onde estava. Foi também o meu universo particular, no qual eu pude correr sempre que me cansava de um dia puxado na universidade. A casa também  foi um terror para mim também; foi uma espécie de metáfora para a vida, mostrando-me que a solidão é uma das coisas mais terríveis para um ser humano. Aqui, eu pude perceber como pode-se ter tudo, viver cercado de todo o conforto, mas ser extremamente vazio, e isso não é bom, definitivamente, não é. Como já cantou Luther Vandross, a House is not a Home. Quando se está sem presença de pessoas físicas, nem sempre uma casa é um lar. Esta é uma das mais importantes lições que levarei daqui. 

Encaro essa experiência como mais um modo de Deus sinalizar para mim direções, coisas que serão muito importantes para a minha vida. 

Enfim, eu me mudarei e, desta vez, terei de me preocupar com o mestrado. Este é outro ponto. Estive, ontem, conversando com um dos meus parceiros de casa (somos em quatro) sobre o ano. Ele falou sobre a rapidez com que, na sua impressão, 2011 passou e eu falei sobre como é engraçado o tempo em si. Há um ano, estávamos os dois pelejando para passar no processo seletivo e, agora, estamos prestes a nos tornar mestres: como se em um momento tivéssemos tudo e, em seguida, nada (é claro que falo do aspecto concreto de estar ligado a uma instituição, sem desconsiderar a carga intelectual que se consegue). Logo chegará a fase de escrever o texto da minha dissertação, pondo fim à minha trajetória de mestrando na UnB. Em certa medida, logo estarei indo em direção à estaca zero.

Às vezes, acho incrível essa possibilidade de não estar preso - sem amor, filhos, emprego - e poder aventurar cada vez mais - tipo, sair e tentar outras possibilidades em outros lugares -, contudo lembro-me dele, o Tempo. Logo estarei com trinta (putz!) e isso me faz pensar que preciso atinar como ganhar dinheiro para montar a minha vida, do jeito que quero. Adoraria relativizar e dizer que não vou me submeter às demandas da sociedade, mas não sou mais tão ingênuo assim: o meu idealismo já vislumbra os limites. Não posso desconsiderar que tenho necessidades e que elas são legítimas, afinal a ideia de vida que estou construindo feliz ou infelizmente está baseada nesse mundo nosso.

A partir de amanhã eu recomeço. Sempre faço isso. Ainda que soe presunçoso, em determinadas vezes, eu me sinto como que renascendo, assim vejo-me como uma espécie de fênix. Hahaha! Whatever!

Ainda tenho de ir ao supermercado e comprar umas coisas para aqui e para lá. Lá, o meu novo lugar. Lá vou eu. Estou pronto para mais uma partida.

É isso. foi um prazer estar neste lugar, na casa de Jacque. Vou indo...

domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal com efeito

Dia 25. Já é Natal. Eu estou em casa com as luzes apagadas, ouvindo Cordel. Ah! Eu recebi um presente. Unforgettable... Portas estão fechadas, portas estão abertas. A casa está fechada, mas a minha consciência foi expandida, ela está aberta. Há poucos dias que eu a venho abrindo. 

Escrever. Aqui sou eu e eu posso muito ser eu. Estou cansado de ser nada mais do que o que conheço. Saturado. Hoje estou com vontade de ser outro, de encontrar outros e de, alguma forma, ser o que a minha cabeça limita, pois ela não tem fronteiras. Eu penso nos fios que sustentam os meus membros e como há momentos nos quais eles se tornam físicos, tendo a perda do viço e da força como essência. Os fios, então, insignificam-se; é como se eu os pudesse romper. Sei que tudo isso gera-se da imaginação de uma aventura cuja narrativa tomei por credo. Eu vi a minha vida de modo tão desconcertante que pareceu que não voltaria a ser quem eu julgava ser: Eu-Alice e a Lagarta Azul em conexão com Eu-Claudia aprendendo com Lestat, sob os cuidados de Louis. Em certo momento, todo e qualquer ferimento suavizou, cicatrizou. E, com efeito, a presença de cicatrizes une no concreto passado e presente. Agora, passar a mão na cicatriz me faz estar alerta a como as coisas não têm de ser iguais por tempo indeterminado. E eu penso nos fios, nos fios que, apesar de estarem físicos, ainda são tênues fios. Eu nunca deixarei de tê-los porque toda a gente nasce com fios, e mesmo aqueles que pensam ser livres dos fios estão bastante atados a fios. Só as cores é que são mudadas, acho. 

Eu, nesses úlitmos dias, deslizei pelos fios, senti-os, lambi-os. Estive onde nunca estivera. O sabor e a delícia de experimentar tapas de liberdade, e viajar, derivar em montanhas russas nas distorções de A day in the Life... Sim. Foi boníssimo. Abri as janelas. Experimentei a bonança. Agora, quero saltar e passar longe dos quadros e dos quadrados. C'est ma vie. Qual um gatinho cinza, estou encarando a permissão de viver uma vida minha. Neste Natal eu estou me dando isso.


Neste dia 25 de dezembro, não estou com nada além das minhas sensações de viajante. Eu, que aceitei o passaporte de efeito, estive sob efeito, eu viajei, foi bom, apesar do medo, foi bom. Eu ri muito, eu levantei mais alto os braços e me mostrei sem medo à vulnerabilidade. Eu. Ninguém precisou saber, poucos sabiam da minha viagem, ninguém sabe da minha viagem. Agora vejo que posso não ser tão mais prendido a ponto de pensar só nos fios. Quero mais é brincar com eles, experimentar toda a sua elasticidade, apesar de saber que seu contorno pode vir a assumir o de corda bamba. Hahahaha! Eu morro de medo dessa situação de instabilidade, mas vozes me dizem "vai ficar tudo bem". Sussurros. Não sei. Lembro-me bem dos fractais, dos círculos, das estrelas, das bolas de fogo púrpura; eu no carrinho de roda gigante, mergulhando em um túnel escuro e falando, falando, falando sem parar; não havia sol, mas a sede... Que sede! Minha boca extremamente seca, eu sentindo, em excesso. Eu senti de mais. Senti o corpo leve e a boca seca. 

Neste Natal estou diferente. Outro, após sensações nas minhas terminações pulmonares. Inesquecível. Chamava com a boca; a magia, assim, entrava; eu segurava a passagem dentro de mim e libertava todo o espírito no aaaaaar: fios voavam no vento, como fios dos cabelos da mais linda cabocla contrastando com a sobreposição do céu e da grama. Eu descrevendo traços azuis, brancos, negros e um vermelho. Eu era azul, amarelo, branco e todo noites estreladas. Os meus olhos semi-cerrados e a necessidade extrema de falar, falar -  mesmo que não me escutassem -, falar. Eu estava de uma liberdade verbal incrível: minha língua infectada por verborreia. Hahahaha! Eu ria alto... "Shhhhh!", alguém me dizia... e eu ria mais, com a mão na boca: apenas a admoestação me dava a noção de que agia, de tempo e de espaço. Era de um riso bobo, eu me sabia bobo, e não tinha problema com isso. Incrível, não tinha tanto problema. A senha de acesso à terra de Lucy in the Sky with Diamonds, entendendo tudo e desconhecendo a razão.

Nada foi um sonho e hoje estou de volta à realidade. Natal. Questiono-me se quero permanecer, então. Sinto também ser hora de mais um esforço para sentir. Sem medo. Se pudesse, optaria por ter menos medo. Tem vezes que acho ser possível ter menos medo.

As pessoas mandam os votos de felicidades, pois é Natal. Eu queria estar tendo conversas cada vez mais e intensamente elevadas. Explico. Brincadeiras sabidamente codificadas nas palavras, pega-pegas de frases sinuosas, construções luminosas indicadoras de caminhos de conhecimento, o conhecimento do ser, enfim, semantizar e ser. Queria ouvir mais perguntas filosóficas, aquelas que não têm medo de encontrar abismos. Eu daria as mãos para quem quisesse pular nesses abismos e me levar (aonde eu pudesse, talvez, encontrar os campos azuis). Mas isso parece-me ser tão eu. Pergunto-me, então, se há gente assim, perdida em busca de abismos e de mãos para pular junto. É um mundo construído por mim belamente, contudo perigoso e limitado pelos velhos fios... who cares? Eu, por alguns dias, estive ouvindo, navegando Eternas ondas. Eu estive dentro de um barco etéreo, que meneava suave em um mar de vapor irresistível. Extrapolando o sensual, eu sorria. Sem problemas.


Como se um mundo estivesse plasmando-se nas minhas mãos, cada vez mais abertas, orientadas pelo ângulo do meu braço, ia rumo àquele outro lado que ninguém domina e nunca se dominará. Terra proibida. Um leve e indescritível sentir.      

Eu, neste Natal, imerso em brumas que uma vez me sustentaram. 

domingo, 4 de dezembro de 2011

Reizinho do mundo


Dezembro começou com uma novidade muito boa. Consegui vaga na residência da universidade. Isso implica viver dentro do lugar para onde vou (e estou) a maior parte do tempo; quer dizer que vou ter sossego em relação a uma das coisas que mais me entristece em Brasília: o preço (criminoso) dos aluguéis dos imóveis; e estarei no Plano Piloto, perto de tudo o que preciso por ora.

No entanto, junto com essa verdadeira graça que recebi, estão se criando "pesadillas" na minha mente. 

Acabo de vir da minha nova casa. Dormi lá. A paisagem externa é linda - com muitas árvores e jardins -, mas a casa é uma bagunça para os meus parâmetros. Eu dividirei moradia com mais três caras que vivem  com as janelas e as portas do apartamento fechadas. Cada um tem um jeito, mas parecem ser unânimes na questão de verem-se isolados em um mesmo espaço, com as suas portas e janelas cerradas. Apesar de ser compreensível o meu comentário a respeito do estado da casa (afinal, logo, estarei saindo de um lugar lindo, limpinho, organizado etc.), eu não me sinto bem apontando os erros dos outros, nem avaliando os demais... meu Deus! 

Eu estou mal porque, mais uma vez, andei praticando a minha faceta "mestre dos magos". Eu dando conselhos a outra pessoa. Nossa! Eu! 

Tento tomar cuidado com essas coisas de dizer "eu acho que você deveria..." ou me mostrar como quem tem o controle da situação, pois não sou perfeito ou completo; a minha vida, em vários aspectos, tampouco é um exemplo bem-sucedido. Estou meio exausto, cansado de estar sozinho; cansado de ouvir trombetas apocalípticas sobre o futuro; farto de, às vezes, ser do jeito que sou - e de me ver na iminência de querer vingança do mundo por isso. Não sei se se trata de não gostar de mim, eu tenho orgulho de mim, mesmo. No entanto, não sei, chego à conclusão de que sou bem estranho quando me vêm pensamentos super esquisitos de uma vida de solidão: vendo, ouvindo os outros vivendo, errando, e eu não. Por outro lado, eu tenho ciência de que muito do que olho e quero são construções, tipo ilusões, que, apesar de eu próprio tentar me convencer do contrário, vivo no anseio de encontrar a minha porção de ilusão. Acho que a maioria das pessoas vive para achar a sua própria porção de ilusão e se agarrar a ela: como não é concreta, torna-se impossível detê-la e tê-la de fato.

Acredito que as coisas complexas que estão na minha cabeça neste momento estão relacionadas ao fato da mudança de casa e por eu não estar conseguindo fechar este semestre. A trivialidade de estar com um texto por fazer e que simplesmente não sai me desestabiliza. Eu queria poder evitar situações de tensão nas quais as pessoas fazem qualquer coisa para se livrar de um fardo. Eu não queria ver o meu trabalho como um fardo. Além disso, eu me envolvi em uma atividade que está esgotando as minhas possibilidades de organização. Eu tenho pensado muito nessas duas coisas. Elas têm se afetado, e me afetado, ultimamente. 

Eu fico pensando em um modo de coexistir com os meus problemas de uma forma que não me atrapalhe, para isso, tento entendê-los, negociar comigo mesmo possibilidades de aceitação. É nessas tais possibilidades que eu falho. Pareço não aceitar certas coisas em mim e no mundo. A questão é a seguinte, se vejo em mim um problema, recorro à razão para tentar observá-lo; eu, usando do intelecto, reafirmo a característica da humanidade a fim de desenhar-me falível, porém, no fundo, estou em uma empreitada medieval de extinção de demônios: a razão me convence de que posso resolver determinado(s) problema(s), desde que eu me transforme em uma hipótese(!). Nesse estágio, a minha humanidade é reduzida pela pretensa inexorabilidade da minha razão, ou melhor, da razão. No desenvolvimento, surge uma camada em que eu critico esse tipo de pensamento objetivista, no entanto sob ela reside a minha total entrega à racionalidade suprema. Eu me vejo exercitando belamente a hipocrisia. Este momento, por exemplo, é mais uma tentativa de racionalizar um descontentamento.

Digo que exercito a hipocrisia - mesmo que sem ter determinada uma intenção destruidora por trás das ações - porque, racionalizando por meio da observação certos problemas, consigo construir modelos lógico-linguísticos que convencem o(s) outro(s) da minha "posição diferenciada" diante da vida. Em uma espécie de estratagema, havendo percebido que os meus problemas não são tão meus, que são recorrentes por serem puramente humanos - e, enquanto noto os outros sofrerem por não observarem essa característica -, aproprio-me da noção para de alguma forma sair vencedor de um jogo esquisito, no qual eu deterei os louros da diferenciação. É altamente relevante para mim estar atento a essa questão, posto que todo esse percurso é uma silhueta sedutora, guia do caminho terrível e enfeitado da vaidade (que empurra os seres humanos  no abismo da intransigência, da soberba e da arrogância). É quando eu estou a um passo de me tornar o dono da verdade.

Eu digo a mim - e aos outros - que essa tal verdade não existe, mas estou em uma sofisticada busca dela.  

É por essa razão que eu, às vezes, sinto-me mal por dar conselhos, muito embora eu ache que as coisas que penso precisam ser ouvidas por terem seu grau de virtude. Em verdade, apesar de me descrever meso-hipócrita, vejo que gostaria de encontrar pessoas que pensassem como eu penso, pois diversas vezes acredito piamente que partes da minha visão de mundo são as mais apropriadas em certos casos. Eu também quero um reino. Então, acabo observando que não sou tão diferente assim. Tudo isso me parece bastante humano. E, afinal, eu nasci e cresci em uma sociedade que nega a natureza, que foca na exatidão das formas, das medidas e, naturalmente, transporta o que as operações algébricas resolvem para as vidas. No entanto, somos células, fluidos e gases; vidas dentro de vidas. Não nos podemos controlar, além do imediato. É quando a fatalidade se mostra em sua forma mais crua: a possibilidade de organizar, mas sem poder controlar. Não sei se é o caso de me envergonhar por tudo o que expressei aqui, pois a minha tristeza não vai no sentido de querer extinguir isso - dado que a recusa à ideia da minha necessidade da lógica platônica seria uma própria recusa da minha inerente mediocridade megalomaníaca humana -, mas sim de me observar tão comum quanto quem não é, por exemplo, organizado com a casa (ou com aquele que parece desatento aos "benefícios filosóficos"). Devo refletir, nesse(s) processo(s), se eu também não estou fechando as minhas janelas e portas no estabelecer de julgamentos nos quais eu sempre serei o beneficiado, o eterno reizinho da casa.

É pelo fato de, sim, gostar de mim, que sigo atento. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Paratático

Sem mistérios. Estou triste. "Triste demais", como a música do Mombojó. Eu deveria estar trabalhando. Eu já escrevi isso alguma vez. Acho que não estou muito bem.

A sensação é de que estou preso. Tenho coisas para fazer, mas não sei bem por onde começar. Facebook. Eu desanimo facilmente. Facebook. Isso tem acontecido há uma semana. Facebook. Aí vêm os prazos e com eles as cobranças. As minhas inclusive. Acho que as minhas demandas são as piores. Não sei se isso é importante. 

Acho que estou triste demais porque hoje conversei sobre outra pessoa. Eu dei as minhas opiniões sobre a vida de outra pessoa. Eu exerci juízo sobre a conduta de outra pessoa. Eu. Logo eu. Quem sou eu para criticar as pessoas? Não sei. Na verdade, eu me esqueci. Esqueci de que não estou em posição tão elevada para julgar outra pessoa. Eu uma vez mais brinquei de ser Deus. Agora estou excremento. Humano.


Estou aqui. Eu estou com dor de cabeça. Falei com a minha mãe. Aniversário dela. Eu escutando "Triste demais". Segunda vez. Eu deveria estar trabalhando, mas não quero. Eu não quero! Creio estar cansado de fazer as coisas que estou fazendo. Parece que estou aprendendo mais uma vez a tabela periódica. Eu não queria viver de decorar. Foi no ensino médio isso de ocupar meu tempo com coisas pretensamente importantes. A corrupção na Grécia foi antes de Cristo. As coisas do mundo se parecem sem serem necessariamente próximas. Fato.


Eu já havia me cansado de sorrir tanto. Eu havia me cansado de ser tão radiante. Eu estava me treinando para a sobriedade. Cinza. Azul. Eu vivo de azul. A minha alma, vejo, é azul. Eu quero que ela seja poética, eu até a forço, às vezes. A minha alma, no entanto, transita em um azul. Claro, petróleo, marinho, cobalto. Azul. Nada mais do que azul. O azul que me aproxima do blues, que me deixa blue. Acho que estou me acostumando a isso. É a música. É a raça. Pena. O azul tem pé na tradição.

Cinza. Eu tenho usado muito o cinza. Ironia. Eu menosprezo tudo relativo a cinzas. Talvez porque eu seja cinza. A beleza do azul na transformação em cinza.. A velha história. Medusa. Espelho. Pedra. Cinza.  

Agora ouvindo "Casa caiada". Eu também não sou mais quem fui e sinto perigo em qualquer lugar. Eu terei de mudar de lugar. Eu não estou no meu lugar. O medo não muda de lugar. Eu tento arrancar o medo e ele lá. O medo não muda de lugar. O meu medo se veste de azul. "Sinto perigo em qualquer lugar". Eu não tenho lugar. "Eu sinto muito".

Mas quem se importa muito com isso, não é? "Tá tudo bem". Devemos ser todos muito felizes. Devemos todos falar bem. Eu falei bem mal de alguém hoje. Eu me sinto blue hoje. Eu sinto que isto não importa muito a alguém. Eu escuto e danço com músicas que falam sobre alguém. Eu não vejo mais novelas e seus "alguéns". Eu não tenho lugar. Cansei. Eu não canso do azul. Eu amo o azul. Ainda que azul, eu me sinto cinza. "To be myself completely". Vou ouvir Belle and Sebastian.



domingo, 6 de novembro de 2011

Losing my Religion (ou "Universidade")

Cheguei ontem de um congresso da minha área de investigação. Estive por seis dias em Belo Horizonte. Posso dizer, foi um dos momentos mais interessantes deste ano. Eu apresentei trabalho e tudo saiu de acordo; conversei e ri muito com pessoas legais. Adorei a cidade universitária da UFMG. Os mineiros de BH são uma atração à parte. Eles me fizeram lembrar daquele slogan do Governo Lula, de 2004 ("o melhor do Brasil é o brasileiro"): BH e os belo-horizontinos, para mim, foram exemplos vivos do substantivo e do segundo adjetivo da frase publicitária. A brevíssima temporada foi quase uma pausa na realidade, à primeira vista.


A questão é que no momento atual da minha trajetória parece não haver mais espaços para "pausas", e mais: as primeiras "vistas" ou "leituras" não se mostram mais como antes (...). No evento, eu estive ouvindo tantas análises e analistas e teorias e nomes... Um conjunto de dias indubitavelmente bem formatado e importante para a minha constituição acadêmica. 

Os meus dias na universidade iam, geralmente, até às 18h30. Depois de estar atento às investigações sobre a realidade, em um Olimpo de palestras e conferências, eu, após o fim de tarde, descia ao Purgatório. No escuro das 20h, eu via brotar das ladeiras de BH uma procissão de almas acinzentadas, de um cinza que parecia substituir-lhes as almas. Arrastando-se qual espíritos penitentes por vielas escuras e cheias de pedras, de gatas cavando nas calçadas algo que nem ele/a nem eu sabíamos o quê, revelavam-se os "terríveis habitantes da Cracolândia". Seres humanos sem rosto, sem olhos, separados em um universo paralelo criado especialmente para "eles". Eu, do "outro lado", tive medo, muito medo. Não foi só em relação a eles que houve temor. Não. Eu tive medo. Eu tive tristeza. Eu tive revolta. Em espaços de tempo encerrados em uma corrida de táxi, situados pelo mostrador digital do taxímetro, pude constatar que nem o mais insistente banho poderia tirar a a cor que aqueles homens, mulheres e crianças tinham em comum. Eu via o tom diferenciado que permaneceria ainda que o cinzento da sujeira escorresse. Eles eram eu: ali na esquina, desviados das luzes dos postes. 

Mas o que eu poderia fazer? Ali, naquele momento pavoroso, nada. Tirar, talvez, do bolso o baralho das frases-feitas, com as diversas cartas de discursos revolucionários para francês ver. Porventura, divulgar um desconsolo criança-esperança... Eu me senti revoltado por, na noite, ter feito parte do grupo de pessoas estabelecidas discutidoras de modos de subjugação e ouvintes de comentários laudatórios; por estar adquirindo um tipo de letramento - junto a uma turma de certas cabeças pensantes/meneantes - para, em seguida, dentro do meu táxi, blindar-me dos seres cinzas e estranhos que rondam as noites dos grandes centros urbanos. Ou seja, em termos, a minha atitude, ali, não diferia muito do que um empresário da construção civil poderia sentir se baixasse o vidro do seu carro para jogar uma bituca de cigarro no passeio. Eu me senti triste por pensar naquele instante que poderia ser eu, mas que - devido a algum Mistério Superior - não era. Era o alívio de dali a alguns minutos estar "protegido" daquelas visões dantescas que me trazia o pesar. E eu - uma vez "protegido" - o que fiz? Qual um menino impotente, remoí-me na cama, senti uma lágrima cristã escapar e dormi para mais um dia de comunicações, palestras e conferências.

Durante conversa com uma pessoa que admiro muito, divaguei sobre alguns aspectos que tento entender. Falei-lhe das minhas dúvidas sobre a natureza das nossas ações naquele contexto intelectual. Eu questionava sobre como evitar as teorizações apenas ou como não julgar os trabalhos de pessoas que, em meu ver, pareciam apresentadores/as de concursos de beleza, por exemplo. Ela me explicava as coisas de forma clara e contida, a despeito da minha confusão refletida na linguagem por meio de quebras e clivagens frásticas. Assim como a minha mente, diante dela, a comunicação (da minha parte) era uma verdadeira fuga de espirais assustadoras. "Eu precisava era de ser mais prudente e menos exigente" - foi o que ficou de síntese. Eu preciso esquecer das platonices. Eu, contudo, perguntava a mim mesmo, internamente, "como?"

Não entendo, até hoje, como somos expostos todos a tantas coisas que parecem ser factíveis, ficamos cientes dos problemas havidos e as coisas ainda atingirem pontos críticos. Afinal, para que saber de História? Para construir e admirar heróis? O que é a escola? No que estamos nos tornando sob a roupagem de pessoas mais esclarecidas do que "antes"? E esse "antes" é tão antes assim? Observemos o mundo. Eu, muitas vezes, tenho me visto criticando tudo e todos, na exigência de uma coerência na qual acredito; não se trata de me ver mais forte ou melhor do que os outros. Eu compreendo essa implicância como um grito de socorro ou de alerta - talvez porque eu ainda acredite na Humanidade; talvez porque eu perceba as possibilidades do devir. Penso ser possível fazer mudanças mais rápidas. Leiamos, então, um pouco mais a história da civilização ocidental com atenção; pensemos em um modo de compartilhar de forma efetiva o que os títulos legitimadores nos conferem para que deixem de ser puramente ícônicos; reflitamos sobre a nossa posição ocupada no organismo social. Eu não sei profundamente de nenhuma teoria sociológica, nem tampouco dos nomes e cronologias dos filósofos sociais: o que penso, escrevo e falo são miscelâneas das coisas que ouvi durante a minha ainda jovem vida e que me pareceram ser viáveis para a ação no controle da mesquinhez humana. Todas as falas que me atingem de verdade passam pela compreensão do indivíduo na direção do social. Às vezes, penso sem maiores critérios em ideais ou levo em consideração os fatos concretos inexoravelmente visíveis, mas vejo que, neste momento, eu tenho forçosamente de estabelecer um ponto nodal. É hora de evitar a transformação das coisas na minha cabeça em uma mixórdia estéril.

Eu me vejo em um momento esquisito e lindo. Eu me sinto mudando assim como o mundo o está. Tenho medo de bastantes coisas: de teorias, de sorrisos amarelos, de pessoas muito perfumadas, dos meus próprios preconceitos. Eu sofro sem propriamente sofrer na pele. Eu vejo os olhos, analiso os comentários... É chato fazer isso todo o tempo. Eu não quero ter de ficar cobrando a coerência alheia e ser uma espécie de bastião tosco da Verdade. A cada dia quero estar mais longe da Verdade, mas não estou fechado às verdades, pois sou parte desse contexto de disputas. Vejo as tais verdades como visões de mundo naturais (de pessoas, que assim como eu, estão, ao seu modo, inconformadas com o que presenciam nos intervalos do despertar e do adormecer), mas que podem tornar-se perigosas na medida em que seus difusores não atentarem para a sua posição no mundo, bem como à força que o termo "verdade" adquiriu na nossa sociedade. No meu ponto de vista, a questão chave está em perceber as verdades como idiossincrasias - ou seja, posições altamente subjetivas e influenciáveis - e que, desse modo, não devem ser impostas. Mas talvez esteja sendo ingênuo, pois me parece que as verdades são verdades por se suporem únicas e fatais. Assim, percebo que, isoladas, as verdades têm poder: escravizam, sugam e matam.

Somadas, as verdades se confrontam e dão origem a galáxias e a universos. É a proposta de um exercício de fato do meu conceito de universidade.

Como cantou Mercedes:  Le estoy hablando, hablando a tu corazón... [ao menos, tentando.]

P.S.: Quero, com este texto, também agradecer às pessoas que estiveram comigo e que me ouviram em um dos momentos mais inesquecíveis deste ano. Obrigado, Andreia,Viviane, Risalva, Vângela, Ailana, Gissele, Anna Clara, Ramalho, Pilar, Lílian e Virgínia Colares.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Meio cheio/meio vazio


Eu já tinha caído, ralado o joelho no asfalto, ido para o hospital, mas a primeira vez que lembro de ter encarado o sofrimento foi quando vi o meu pai sangrando. Ele havia tomado uma queda, algo meio tolo. Nunca  me esquecerei daquele filete de sangue relutante em se manter na testa e no nariz dele. Meu pai e sua figura sempre altiva, toda-poderosa, algumas vezes prepotente quando do alto das suas verdades, era, naquele momento, um serzinho machucado, e só; sob os cuidados da minha mãe, indo para a cama mais cedo, ele desaparecia em uma humanidade que então, para mim, beirava o terrível. Foi quando eu sofri.

Tive, depois, outros momentos de "enfrentamento do terrível", mas aprendi a fugir, a correr e a me esconder. Na verdade, aperfeiçoei-me nisso. Eu sofri sim e aquilo de novo eu não queria. Era ruim demais. A minha vida seguia em um rumo em que eu desconsiderava o sofrimento: preparei uma nuvem para tentar me afastar das diversas possibilidades de  dor. Elas, no entanto, vinham. 

Perseguia o "belo", aquele conceito sofisticado greco-romano que me ensinaram a amar nas salas de aula.  E eu viajava rumo a cada vez mais longínquas, brancas e confortáveis nuvens. Um mundo pretensamente perfeito e harmonioso. Eu queria mais era ouvir o som de harpas: adorava quando elas me saudavam, quando me anunciavam. Uma vida de música, depois de poesia, seguida da filosofia. 

Às vezes, fico olhando para descrições como as anteriores sobre reminisciências do passado. É um exercício particular. Vejo que ainda me recuso a abandonar uma história que vai se tronando história a cada passagem de mês. Eu organizo modos de mudança, mas não é raro o transporte para um tempo que está em outro lugar, em outro ponto cronológico. Não quero dizer com isso que estou parado, que estou contrariado etc. De fato, eu não sei se isso é de todo mal, mas a questão é que pareço estar invencivelmente ciente dos passos largos dados; pulo e não meço tanto o impacto que a ação causará aos meus joelhos e a outras articulações: no calor do momento não se sente nada além da satisfação do projeto, mas à noite, quando chega o momento de recolhimento, algo não está como antes, existe o incômodo. Estou tentando sanear em mim pontos que considero críticos, mas à noite eles sempre voltam. Eu me pergunto o que está acontecendo e nem sempre tenho quem me responda. E a culpa é de quem? Sei lá, eu me sinto bem só, algumas vezes, porém não queria acrescentar mais essa peça de vitimização ao kit. Eu rio, tentando ser animado, para esconder um nervosismo decorrentes de assombros constantes. É uma espécie de resposta imunológica. Eu sempre estou tentando me defender. 

Eu vejo um mundo que fora da minha casa é mais feio do que o que via na escola. E eu ainda estou pensando na escola (!!!). Relampejos de infância me fazem tremer, mas a mensagem urge: eu devo ser adulto! eu devo ser responsável! Putz! eu já devo tanto sem nem pagar impostos. Às vezes, eu não sei bem como agir. Algumas pessoas não sorriem de verdade, parece tudo tão encaixado em "momentos propícios". Daí, dá medo de gostar das pessoas, mas, é inútil, pois eu já gosto. Eu gosto fácil. Novo problema se forma: como gostar sem invadir? "Controle", é a minha resposta. Tenho problemas em me controlar porque decidi, quando dei início à Caminhada, optar por um mundo mais verdadeiro. Eu tenho me esforçado tanto para ser verdadeiro comigo mesmo e com os outros e preciso controlar um lado tão "meu"... É o mundo das convenções... Sendo verdadeiro, um mundo do qual eu me sirvo também.

Eu pensei que fosse escrever um texto alegre, pois a terça foi um dia produtivo (em que fiz várias coisas que julgo terem sido boas). Mas são coisas que estão passando pela minha cabeça a essa hora da noite logo após uma palestra sobre a Esquerda brasileira e os problemas sociais do país. Eu deveria estar dormindo, mas julguei ser válido escrever. Dia desses, estava pensando sobre o porquê de escrever aqui. Acho que é uma forma de me ouvir, de me entender, a esperança de que em certo momento da vida eu veja concretamente que passei por momentos estranhos. Parece impossível para mim parar de perseguir "a felicidade".  

Aff...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Pêndulo

"Fazer a revolução". Eu, na busca de mim mesmo na vida, escutei diversas vezes essa frase. Percebi que havia vários tipos de pessoas e de vozes conclamando um grande número de gentes a urgir na ação. Vi também que, em boa parte das ocasiões, eram mesmo e, logo, apenas números. Números e números. 

Presenciei quantidades executando verdadeiras cenas, ora longe de mim, ora perto de mim. Eu sempre me questionei a respeito do porquê daquelas coisas, quando acreditava decifrá-las. A imatura conclusão de que não deveriam fazer aquilo, em uma pretensa superioridade que certamente é parte do órgão da alma humana.

É claro que não passei incólume. É óbvio que também embarquei na vibe de mocinho e bandido (lição aprendida corretamente por meio da religião e da televisão). Quando tive mais ciência de mim, constatei - talvez ainda venha constatando, perplexo e contido - que somos todos mocinhos e vilões, dependendo fortemente das possibilidades e do retorno. E, quem sabe, não há de todo problema nisso. 

Seguindo, vou observando como não sei de coisas sobre mim, sobre os outros, e, ao mesmo tempo, o que não quero para uma vida que ilusiono traçar. É um bom passatempo brincar de War, mas a direção são os dados que apontam. O tempo passa e talvez não seja necessário sempre sorrir, banalizar o belo - principalmente quando se está em processo de localização. Não acredito: já tenho fios brancos na cabeça... 

Penso que atualmente me encontro pendulando para o pessimismo. Sabe, já não me culpo mais como antes. Ando cansado de garimpar a maior parte da culpa em mim (postagem tristesse passada). Isso consome muita energia. Aliás, eu vejo as pessoas gastando tanta energia em jogos e em palavras, em jogos de palavras. Penso - ou melhor, justifico - que pode ser mais um modo esquisito de fazer a vida valer a pena, de alguma forma. Eu preciso aprender a viver. Eu no processo de compreensão. Mas não sou bom, que fique posto. Quando a pessoa se vê em um mundo diferente do dos tantos livros de fantasia que passam pela vida, a tendência provável quiçá seja a de criar um universo onde se possa viver sem sofrer. É experimentar o doce no escapismo. E eu não sei até que ponto é ruim fugir. Em tempos remotos, eu quis ser o Super-Homem, porém, de repente, outubro de 2011 chegou. Desconfio, assim, que fugir não é a saída. Para falar a verdade, nem sei se existe "saída"; talvez isso seja mais um tema para jogos de linguagem, um no qual tento a arte do convencimento: a mim e a meus pares. Afinal, uns dizem que a vida é uma eterna busca, outros que a saída é a morte. Mas estou em pêndulo e não me limitando à compra de visões de mundo fáceis. Não tão facilmente.

Com 25 anos, sinto a possibilidade, porventura positivista, de testar as hipóteses que servem de retalhos para a Caminhada da existência. Sendo funcional, é como se soubesse da oportunidade que se apresenta  em um momento agora de rememorar o que vinha ouvindo pela Estrada e, experimentalmente, aplicasse tais amarras a uma realidade disponível (em que caracteres e signos diversos desfilam intrigantes "verdes e incolores dormindo furiosamente" - hehehe!). Tenho medo, bastante medo - no fundo e na superfície - dessas coisas, mas, ao mesmo tempo, sinto um impulso, o propósito de ser delas: é quando me encontro. É tempo, então, de, uma vez recobrado e sensível na desproteção, aproveitar os lances de estranhamentos para ver como e com quem posso compartilhar: é quando descubro o outro. É quando me sinto parte da Natureza. Porque sei que não existe mais espaço para síndromes de solidão constante. O Romantismo está tão old-fashioned.

Este texto é essencialmente díctico. É também uma espécie de homenagem. Ele é resultado de uma quinta-feira ótima e muito "produtiva" (ai, essa palavra...). Durante todo o dia, estive com pessoas de quem gosto, em ambientes que me inspiram, falando sobre coisas que considero relevantes, em exercício saudável. Impossível fechar os olhos para isso! Não tenho a capacidade idiota de desdenhar os presentes que são ofertados a mim pela Vida. Não mesmo! Três dias atrás, fui uma Clarice em felicidade clandestina. Parei. Acho que estou confortável no pêndulo.

O ponto é que hoje não acredito em boa parte do que me construía. Tenho os olhos abertos. Ainda que dolorido, vejo que é preciso, sim, "fazer a revolução". Sempre. Hoje, bem mais cônscio, analiso o tanto que fui soberbo em julgar aqueles que gritavam sobre revolucionar. Os árbitros, geralmente, levam-se muito a sério e ainda mais quem brinca de querer ser um. Ouvi de uma pessoa que cada ser ao executar determinados atos, sejam eles "bons" ou "ruins", crê e vive o seu momento de verdade. Por que não (se) deixar acreditar? Live and let live... Provavelmente, o problema ou a saída esteja aí. A chave que Alice procura sempre aparece do lado oposto. Como lidar com tanta humanidade na ilusão de poder controlar o impossível? De fato, não sei. Não sei. Estou filosofando. Certas vezes, eu me iludi - e ainda me iludo - na vitimização, no entanto me absolvo por ser humano e cada vez mais humano. Tenho me perdoado bastante. Vejo a chuva fina e preguiçosa, as árvores balançando, os passarinhos andando de forma engraçada, ouço What a Wonderful World seguida de Feelin' Good, noto sorrisos, noto enfim o meu sorriso... sem temer, penso: Vida!!! e isso vale tanto mais do que as infindáveis construções. Tudo é sabiamente relativo. Para que, então, descer do pêndulo (pelo menos, neste momento)? Estar nele é aceitar que não aprendi totalmente a me encaixar nos extremos. Talvez seja essa a minha forma de revolução.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A semântica do cinza

Aqui em Brasília está cinza, assim como eu. Na verdade, estou em um intermezzo, em um tipo de espera de uma continuação. Há alguns dias queria ter vindo escrever, mas não rolou. Não está dando para fazer muita coisa, nesses últimos tempos de obrigações. Precisava, no entanto, disto aqui - assim como as plantas da janela da casa onde estou precisaram de água no tempo em que estavam de cor sépia. Com a Primavera, presenciei uma ressuscitação e, neste momento, é como se eu precisasse de um ressurgimento.

Sou eu às voltas com os meus pensamentos. Aquela longa e arrastada história. Não sei se este é mais um daqueles momentos que se vão quando me deparo com alguma "alegria de semana". No que elas, efusivas, passam, eu fico mal, de novo. Aí, fico pensando se isso acontece com todo mundo; cogito estar exagerando e, na maioria das vezes, acredito - ou me certifico de - que (boa parte de) tudo é minha culpa. Eu fico bastante cansado de ter a culpa só para mim, mas penso que talvez essa atitude tenha alguma correspondência com o fato de ser adulto, aquela coisa de arcar com as consequências, aguentar o tranco, fugir do espectro de um erê constrangedor. Tem dias que acho que não vou suportar o tranco. Hoje é um deles.

Eu deveria estar escrevendo um projeto para a disciplina de semântica, em uma segunda-feira, dia de responsabilidades esquematizadas por mim em um roteiro de estudos. Mas eu rodo, digito umas coisinhas furadas e me canso. Fico farto de tudo. Cólera direcionada aos livros que não dou conta de ler; à televisão que não para de passar as mesmas coisas; às pessoas de comportamento insuportavelmente lacônico. Desconfio de que estou em um momento crítico: eu de significados, tendo de lidar com sentidos. Vejo-me cercado de visões-e-visões-e-visões-e-visões-e-visões (e) de mundo(s)... Como a música da Calcanhotto, "(...) logo eu...". Creio estar vivenciando o chamado "desencantamento do mundo".

O fato é que as coisas parecem esquisitas. Estou totalmente inserindo-me no tempo, fazendo-me de Tempo, atado a prazos e datas e rotinas maquinantes. Um operador de atividades cíclicas. Estou me moldando a ser prático e objetivo, a abstrair apenas o que é proposto para mim como abstrato. Estou entrando em estruturas complexas que não entendo, mas devo seguir. Sinto como se a poesia fosse morrendo a cada dia em mim. Eu estou me debatendo porque eu sei que sou diferente. Não estou conseguindo lidar com essa diferença inserido em um mundo de pessoas tão iguais. Começam, então, as merdas de pensamentos circundantes e estéreis; questões que fogem do meu controle, mas que eu quero que aconteçam a todo custo. É um mergulho dentro do mundo que eu mesmo criei, mas que não se desenvolveu. Um feto que está formado, pronto, que não vingou e que, ao mesmo tempo, não se caracteriza propriamente como um aborto. O não-lugar. É como se em um ambiente quadridimensional e inexplicável,  frames fossem passando - agilíssimos em seu tempo - sob a minha percepção pasmada: sequências imagéticas atrativas a mim, mas que me enganam, que me seduzem a entrar em cada um delas e que, em simultâneo, frustram-me por serem apenas partes incompletas de um todo maior, cuja constituição integral não suporto aguardar. Eu me percebo, então, construindo períodos imensos. Não posso viver em um frame; eles passam. Precisam passar.

Eu sou alguém que, talvez, não aprendeu a seguir. Eu sou alguém que está preso a coisas que não existem ou já se estão diluindo. Como uma daquelas maldições de histórias epopeicas: um jovem nobre sentindo algo fantástico diluir-se entre seus dedos, perplexo na agonia de sentir e não saber o que está indo embora. Tão perto e tão longe. Mas eu, ao acordar e pegar um desrespeitoso ônibus, vejo que  não sou um príncipe. Até sair do meu castelo, eu sempre tive a certeza disso. Ávido e seguro, eu possuía essa minha verdade. Hoje, sou de carne, osso e sentidos.

Daqui a um tempo o ano acaba. 2011, 2012... Eu, que sempre quis ser realeza, vejo como o mundo é diferente do reino que pintei. Isso tem algo de positivo, some say... Afinal, tudo pode ser bom, divino, maravilhoso. 

E os quadros passam; um, que, logo, torna-se dois, três, quatro etc. Então, deixo de ver desenhos de paisagens pinceladas para interpretar os fenômenos como cinéticos, observados em construções longe, lineares e cinzas, da cor do céu de uma terra ressecada, que assume dimensões novas, não imaginadas, mas ainda assim concretas e sensibilizadas somehow. Eu em mais um período longo, o qual preciso escrever, o qual preciso viver.

Eu, amante devoto do Tempo.

domingo, 11 de setembro de 2011

Diáfano

Amor. Eu não sei se tenho capacidade de falar sobre isso. É. Mesmo, é "isso": palavra indefinida e difícil; noção construída - se eu decido ir pelo caminho duro da ciência - ou o famoso "verbo intransitivo" - se prefiro optar pela sublimidade artística. O fato é que o tal do amor parece estar atrelado a um polvo mágico, imponente com oito braços translúcidos e envolventes. Eu conheço apenas alguns desses "aparelhos motores". Sei também que alguns deles podem cercar, envolver, sufocar... O amor é bonito, mas pode ser perigoso. É uma flor que não se pode comer. O amor é algo a ser cultivado.

Pode-se amar os familiares, os amigos, "as pessoas como se não houvesse amanhã". É possível teorizar sobre essa deslumbrante flor e chegar à conclusão que "love is a losing game". Assim, o amor é colocado dentro das linhas de um caderno; das páginas virtuais de editores de texto; impresso em títulos; pretensamente enclausurado. Eu, de fato, não sei de alguns (ou dos muitos) tipos de amor, que - para minha cabeça inquieta - podem estar naquele polvo com uma flor em um dos braços.

A flor de que falo é vermelha, chamativa, exibida, rara e complicada de se obter, mas bastante cobiçada. Ela está no braço mais escondido, como que protegida pelo vigilante molusco de fantasia. 

Dentro da cultura ocidentalizada, as gentes veem-se tão afins a Ícaro. Quando vislumbrada a beleza rubra da flor, quer-se, a qualquer custo, possuí-la. É como, para alguns, ver um rubi lapidado, um brilhante voluptuoso, que, no fim das contas, não serve para nada além de prestar-se ao deleite. Quer-se sempre o belo, mesmo sem se saber muito bem de qual modo ele será usado na vida. É o mais puro desejo de um tipo de posse cromática, porém disfarçada. É pintado um cenário de busca aparentemente infinda. Quer-se a flor, a flor nomeada "amor": aquela a qual o braço mais guardado vela, vista rapidamente nos ângulos desenhados pelos demais braços, quando da locomoção do ser fantástico. Quatro pares de bailarinos que se mantêm deslizando sincronicamente inconstantes no caminho em rumo do infinito. Os ícaros, desse modo, proclamam estar atrás do amor e seguem no encalço do polvo, que, arisco, agiliza o seu voo aquático. Quando o ser do mar vê-se acuado, mais que depressa, transforma o cenário em algo enganador; a pessoa, assim, não enxerga, indo por caminhos alheios ao objetivo, perde-se nos pigmentos da tinta do desespero. Há, inclusive, momentos nos quais oito forças esmagam os sentidos e o crânio. O fim, talvez.

Alguns conseguem cativar o animal. Eles observam-no com calma, veem como se movimenta, apaixonam-se não só pela flor de beleza inigualável, mas pelo contexto no qual está ela acomodada, como elemento valioso de um conjunto suave e gracioso. Observam que a flor não precisa de ser retirada do braço escondido do polvo diáfano, pois ali é o lugar dela. É a percepção de que escravizar-se por raciocínios de estratagemas, muitas vezes, é tão desnecessário. É o respeito ao contínuo da natureza. Nessa paciência, eles se dão conta de que o polvo está ali para passar, para dançar o seu balé e encantar. Esses poucos tornam-se familiares ao polvo, que, de confortável, esquece-se dos sete elos que protegem a flor cortejada. É possível, se desejado, tocá-la.

Ah! E é no resvalar na flor chamada amor que se completa todo o longo tempo de observação e contemplação do agreste ser vítreo. A sensação de ter nos dedos algo raro, algo lindo e preservado. A delicadeza que não será maculada jamais, posto que fora compreendida e, por conseguinte, respeitada. É quando o essencial foi captado: a flor é parte da beleza, que está presente de forma mais discreta nos outro sete braços, propulsores dos movimentos e da vida (não só a do polvo de cristal, mas a daqueles que afinal percebem que os instantes são definitivos).

Tudo isso é uma metáfora de algo que julgo não conhecer. Eu acredito ainda estar observando os sete braços do meu ser de fantasia; vendo como é possível perceber através deles o outro lado. Já me dei conta, contudo, de que existe um membro especial, destacado por carregar o que dá cor ao já belo, porém reservado na transparência. Eu gostaria muito de ser parte do segundo grupo de pessoas descrito anteriormente, mas me pego diversas vezes arquitetando planos de surpresa em relação ao polvo; roubar-lhe a sua flor; tê-la toda e só para mim. Não é bonita essa violência. Eu só me dou conta da gravidade dos meus pensamentos depois, quando tudo fica escuro e já não o vejo mais - aliás, nem ele, nem a flor, nem a mim. A estaca zero.

Ando preferindo pensar que conseguirei cativar o polvo translúcido da vida. Chegará o tempo de deixar de teorizar para aprender a respeitar os movimentos, que são sábios por irem no seu tempo.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Upside Down


Eu sempre pensei sobre a solidão. Na verdade, eu sempre me achei um cara solitário, não "só", solitário. Eu nem sei se existe diferença real e significativa entre os dois adjetivos: digo, apesar de estar constantemente rodeado de pessoas, eu, na maior parte das vezes, não estive ali com elas. Não era eu no meio do povo. A solidão era, de certa forma, uma construção romântica, algo meio "mal necessário" para a continuidade da minha diferenciação daqueles que considerava "medíocres". Era nos momentos de solidão que conseguia escrever melhor, compor poemas interessantes e conversar mais comigo.

Por conversar tanto comigo, embarquei em uma empreitada ousada para os meus parâmetros de menino overprotected e exemplar (...). Estou bem no meio dela. Amanhã começará, para mim, a reta principal do mestrado e - certamente por causa das pressões que já arrumei para mim mesmo nesse segundo semestre - já me vejo descolorido. Faz três dias que cheguei a Brasília e esse pouco tempo tem sido complicado (...). É  bastante provável que isso tenha muito a ver com a minha recentíssima temporada em Aracaju, sei lá... 

Uma amiga ligou para mim quando eu já estava aqui; conversamos sobre algumas coisas relacionadas a vida: carreira, família, amor etc. Durante o papo, observei o quanto a situação era curiosa. Eu dizia a ela que não estava muito bem, que sentia falta de estar com todas as pessoas que me deram tanto calor, tanta atenção, contava que era muito ruim chegar em casa e ver paredes e, em consequência, dar bom-dia a elas. Minha amiga me falava sobre o quanto andava acossada pelo trabalho, pelas obrigações que já assumia e por conta de um antigo namorado. Devido ao rumo não muito alegre pelo qual a conversa estava indo, resolvi "fazer justiça" e reconhecer que nem tudo estava mal. Notei, então, a peculiaridade daquele momento - algo tão humana, aliás. Enquanto eu - na minha ladainha da gratidão - remoía estar bastante feliz por ter passado no mestrado e por estar morando em uma casa limpa e organizada, ela me dizia o quanto estava ansiosa por comprar o seu primeiro carro. Eu lhe dizia que queria estar na posição dela, ou seja, trabalhando, pagando (com dinheiro próprio) as minhas contas, tendo o meu carro; ela, em contrapartida, respondia a mim que adoraria estar no mestrado. "Que louco", eu pensava! Hehehe!

Outrora, eu imaginei que estando só, as coisas seriam mais fáceis no sentido de conseguir "tudo" o que quero, mas observo, agora, que não é bem assim que a banda toca. Na boa, ando cansado de ficar falando "ai, como eu sou lindo e feliz por ter passado na UnB!". Em algum tempo vai soar forçado (como já sinto que está, pelo menos para mim). É aquela coisa de autocomiseração disfarçada de autoafirmação, que, no final das contas, tem muito a ver com a insegurança de seguir. O passado - feliz ou infelizmente - deve ser lembrado, não insistentemente vivido, como em um desejo infantil de botar para funcionar algo que já não responde. A vida é agora. Neste momento, gostaria de estar diferente do modo que estou, mas até que ponto esse sentimento é real? Talvez se eu estivesse no lugar da minha amiga (com trabalho, carro e um amor) eu iria desejar estar na posição em que estou agora (longe de casa, vendo outro mundo, num mestrado fora e desimpedido), ou talvez estivesse mesmo feliz pelas coisas conquistadas.Vai saber! Pablito aqui não sabe, isso é foda, mas o que posso fazer? Eu respondo: aprender. Aquele papo de a grama do vizinho ser mais verde parece se aplicar bem a isso, mas não posso viver de olhar o jardim dos outros o tempo todo.

O fato é que estar sozinho dói, mas sinto ser também importante. Tem sido para mim assim. Acontece que algumas vezes desmorono, parece que vou me descontrolar; em outras, quero tudo para já: coisas típicas de quem sempre teve o que quis de modo relativamente fácil. Vejo, assim, que o mundo (cheio de pessoas diferentes nas suas solidões) não funciona sob regências individuais; em alguns momentos é forçoso esperar, pois certos assuntos estão além do controle, do meu, por exemplo. Creio que estar só tem me mostrado o alcance do meu poder diante das coisas do mundo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Jardins Suspensos

Acabo de vir de um encontro com uma irmã de alma. Eu me sinto tão feliz! Esta é uma daquelas postagens que, conforme o meu atual ânimo, remetem-me a uma sensação de proximidade daquilo que chamam de amor.

Desde a última vez que vim a Aracaju, não me lembro de ter me sentido tão bem como estou me sentindo agora. São dez dias que terão o seu último dia "útil" (quando ainda poderei sair despreocupado) na sexta. A cada momento que passo dentro ou fora de casa sinto uma sensação tão boa, tão gostosa e, ao mesmo tempo, meio melancólica. Lembro-me de que esta é a terra onde nasci e cresci, mas que ainda é pouco familiar a mim. Na verdade, eu não estou pronto para voltar definitivamente para cá. Aliás, essa foi outra coisa que me chamou a atenção: o fato de eu amar este formoso lugar bagunçado, pequenino e algo tacanho chamado Aracaju, mesmo não me sentindo encaixado nele.

Os meus amigos estão aqui. Como é bom senti-los por meio de um amor diferente, um de pessoas que acompanharam alguns passos da minha vida, não todos, mas o suficiente para me oferecerem estrutura firme (em abraços confortadores e emocionados). Os amigos que estiveram comigo nesses últimos dias deram a mim a constatação de que não estou neste mundo (de) concreto sozinho, que posso contar com eles e que - o mais incrível - sou importante para as suas vidas também. É um presente, um jardim dado a mim tal qual os Suspensos da Babilônia.



A família é um episódio à parte. A minha mãe, como já previsto, levou-me para visitar um lado da família da qual tenho orgulho devido à força, simplicidade e leveza no viver a vida. Como sou abençoado por tê-los, agradecido pelos abraços, palavras e expressões de admiração quando conversamos, por exemplo, sobre eu ter visitado um lugar onde não estiveram. Coisas difíceis de descrever, feitas para serem apenas sentidas na experiência. A satisfação por ver meu pai com saúde e animado fazendo as mesmas perguntas do tipo "E Brasília, meu filho, tá gostando?" (hehehehe!). Eu respondendo a ele a mesma coisa, com algumas variações verbais. A minha irmã brandamente preocupada com o futuro, enfurnada no quarto e rodeada pelo seu computador, livros de direito e fotos do namorado e dos amigos: tão bonita. E a minha mãe fazendo tudo para mim, deixando de lado o fato de que ela sempre faz tudo para mim (e por mim), escondendo as palavras saudosas e buscando não se emocionar quando lhe digo o quanto a amo por tudo o que ela faz e é por mim e para mim... Os velhos muros da minha casa... Lá dentro, como sempre, as coisas em cima da mesa central; ela toda impregnada de passado e presente. O meu quarto cheirando a lembranças...

Depois de amanhã, terá prosseguimento a minha jornada rumo a... ah! a algum lugar diferente da realidade fantasma que vislumbrei na minha mente de vinte e poucos anos. Com a minha amiga, hoje, conversei sobre como são incríveis os contornos tomados pela vida da gente; como é importante preservar o que nasce lindo e saudável. Eu sinto o que ela me disse: estou num caminho certo, pois tenho pessoas como ela por perto, que não fuzilam os encontros com ironias e questionamentos tolos, mas escutam e dialogam: fazem questão de mostrar que ali existem dois seres com luzes diferentes e, em simultâneo, complementares. A concretização do que há de mais belo. Eu aprendo muito com a amizade. É concreta a sua imprescindibilidade.

Agora preciso de estar centrado, atento e paciente (...). Tenho de cultivar as flores que compõem o meu Jardim, tão raro, repleto de belezas; regá-lo com poesia e adubá-lo com sementes importadas de cuidado.

domingo, 21 de agosto de 2011

Ligeiro

É domingo e eu estou em Aracaju. Mais uma viagem, uma viagem mesmo. Quando no avião, ficava pensando sobre voltar, sobre a minha vida aqui, sobre o que eu iria ver etc.

Tudo começou pela minha casa. Não faz um ano desde que vim da última vez para cá. Ver meus pais pessoalmente é algo que não consigo descrever, depois meus amigos e, finalmente, dar-me conta de que estou onde está toda a minha vida - com seus pontos altos e baixos - tem sido incrível. Aracaju para mim mudou. Estar longe de casa fez com que eu visse diferenças diversas das que estou em contato todos os dias em Brasília: por exemplo, o fato de as pessoas serem tão familiares a mim, acolhedoras, tanto que certas coisas, cuja existência me davam irritação, de algum modo, tornam-se agora engraçadas e folclóricas. Até mesmo a bagunça do trânsito e o tumulto das ruas trouxeram para mim recordações de um tempo que, por incrível que pareça, não faz tanto tempo assim.

Uma das coisas que tem me dado mais alegria é encontrar os meus amigos. Caramba, como é bom encontrar  quem a gente gosta e gosta da gente! Vixe! Eu agradeço(...). Queria escrever mais, mas tenho que sair para a casa de uns amigos. Quero aproveitar a minha Aracaju da melhor forma até o dia de voltar.

Ah, voltar...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Tanto Mar


Acabo de acordar. Faz três dias que voltei ao Brasil depois de uma curtíssima temporada (de dez, ou melhor, nove dias) em Lisboa. Para falar a verdade, não foram "férias na Europa", tendo em vista a participação em um congresso que tomou boa parte da minha atenção e ânimo durante cinco dias. Assim, nos quatro restantes, não consegui ver tudo o que tinha de ver.

Acredito, no entanto, que valeu muito a pena. Lisboa me surpreendeu positivamente. Ah! Como eu precisava de ser surpreendido de uma forma boa. Eu fico feliz pela oportunidade de ter saído um pouco do lugar onde estou. Eu sei, isso é o que se chama ser inconstante. O fato é que era necessário um novo mergulho para voltar à superfície renovado. E é sobre isso que este texto e esse meu retorno têm a falar.

O congresso em si não teve para mim tanto destaque (achei a bolsa horrenda! hahaha!), pois o que queria mesmo era apresentar os meus trabalhos e conhecer a cidade (#prontofalei). O primeiro trabalho, cuja importância era menor do que o outro, foi muito bom, quer dizer, "funcionou". O segundo foi terrível: na plateia (mirrada) havia um daqueles que adoram contestar detalhes e a partir deles criar uma arena de combate. A sorte estava no fato da presença da minha orientadora ali, que se saiu muito bem na argumentação, deixando-me tão orgulhoso de ser seu discípulo. Tenho mais é que corresponder a tanta competência, sendo-o também. 

Sobre a Terrinha. Lisboa, para mim, nos primeiros três dias, mostrou-se um lugar bonito, mas acabou me dando um gosto de repetição pela grande quantidade de coisas históricas, tais como castelos, museus (na maior parte, pagos) e estátuas de nomes consagrados por uma tradição europeia secular. Conheci uns tantos castelos, mas não me empolguei a ver mais deles. O clima estava de verão no nordeste. Terrível para mim: andava um pouco e já estava suando em bicas. Por outro lado, a gente lisboeta é muito atenciosa e algo pitoresca, especialmente, os taxistas. As ruas são movimentadíssimas: carros e pessoas trafegam constantemente em um trânsito um pouco confuso para mim - acostumado a Aracaju e a Brasília. À noite, a cidade não para, é claro. Numa verdadeira babel, turistas circulavam e tiravam tantas fotos, riam e fumavam. A cada esquina, era possível ver aquelas marcas do shopping que a gente olha de canto de olho devido aos preços. O que gostei mesmo de lá foram os metrôs - chamados por eles de "metro" - por causa da facilidade de locomoção entre as estações - muito bonitas, por sinal, nas cores (linhas) azul, verde, amarela e vermelha. Ficaria facinho um mês ali - hehehe!

Agora voltando ao Brasil. 

Desde antes da viagem, andava observando que as coisas estão caminhando para mais uma fase. Acredito que agora é a minha "terceira temporada" aqui em Brasília, o que é algo bom, mas, em simultâneo, bastante pesado. Sinto que este é o momento para consolidar planos, provavelmente, o tempo com o qual sonhei e que me fez sair da minha casa. 

Não quero com isso me entupir de expectativas. Algumas coisas têm acontecido e me apontado possibilidades. Sim, elas, as possibilidades, de que reclamo tanto, mas que, ironicamente, são as coisas que tenho de concreto. Quero dizer que talvez esteja chegando o tempo de deixar de ser virtualmente vivo, de viver em meio aos sonhos, começar, de fato, uma vida minha - coisa que já dei início ao pisar em Brasília.

Feeling Good
Hoje estou na casa de umas pessoas que me ofereceram ajuda, mesmo sem sermos "os velhos melhores amigos de infância". É impossível para mim não atribuir isso a Algo Maior, pois quando se está só, de alguma forma sob a sua própria responsabilidade, coisas e situações, anteriormente corriqueiras, passam a assumir novos contornos. Observo diversos novos contornos e, muitas vezes, vejo-me chorando por tudo o que está acontecendo comigo: um menino, agora homem, que luta para se segurar em meio a terremotos internos, alguém que tenta preservar e recolher as partes que o formam a fim de compreendê-las de fato. 

Estou em um momento novo. É mais uma parte do meu ciclo de evolução. O que sei é da minha necessidade de aprender cada vez mais. Caio tantas vezes, mas, com um apoio especial, eu me refaço. É incrível viver!  

It's a new day, it's a new dawn...

sábado, 23 de julho de 2011

Sem muitas palavras

Eu não estou com muito ânimo para escrever aqui, mas não podia deixar de registrar o que está acontecendo comigo num dos momentos mais interessantes dessa minha Jornada. 

São muitas, mas muitas coisas mesmo unidas por dois eventos: a minha saída da pensão e a minha viagem a Portugal. Eu estou tentando me manter calmo em relação às duas coisas. Como disse na postagem anterior, sinto que estou caminhando para onde sonhei e tal. Eu fico constantemente pensando nisso de sonho, se é bobagem, se é imaturidade etc. (...)

Amanhã, a esta hora, deverei estar indo para Lisboa. Vou apresentar duas comunicações por lá. Eu estava mais calmo há uns dias, mas ter quase esquecido um documento vital para a minha entrada em Portugal me deixou bastante apreensivo. Já arrumei as malas, contudo fico com aquela minha neura de pensar que posso esquecer alguma coisa; depois tanto não dar ouvido às minhas confusões e observo que já está organizado tudo o que foi solicitado. 

Hoje, o casal de amigos que está me hospedando foi para o Congresso, de lá, eles passarão alguns meses em outro país. Eu estou e estarei sozinho por algum tempo, pensando em como colocar em prática os (breves) planos que tracei. Acho que vou deixar para pensar com mais calma sobre isso quando voltar do evento. Planos, planos... sempre eles (ou sempre eu? hehehehe!).

Acho que já estou com sono, afinal, já faltam dez minutos para a 01:00 da manhã. Está bom por hoje.Só escreverei agora de Lisboa.

Estou beirando a ansiedade, mas ela não vai me vencer! Vou dormir.

Fui!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Grato

Eu levanto. Eu olho para o lado. Vou logo ali. Eu observo o quarto em que estou. Hoje foi o início da etapa seguinte desse meu Caminho. Ainda esta semana não ocuparei mais o quarto onde tenho passado esses últimos dez meses em Brasília.

Em simultâneo à inquietação descrita no início do texto, tive contato com uma das coisas mais lindas existentes na minha vida: a minha colibri Elynne. Estranho e engraçado. Justo hoje, mais um dos dias de decisão da minha Jornada, ela vem e me faz cair em pranto, chorar como tem muito que não faço. É quando eu senti o amor, uma vida falando para a outra viver. Um amor puro. Mais uma indicação de que tenho uma mão para me apoiar, e nela há uma flor. Obrigado, colibri.

Hoje, no supermercado, fiquei pensando sobre esse novo passo que darei com a mudança. É um bem arriscado, pois jogarei algo que - a despeito de me fazer sofrer - me dá certa segurança para me jogar em uma coisa inédita, sem concretude. Eu ficarei por uns tempos na casa de uma grande pessoa - que surgiu para mim e que, a cada contato, faz-me rever o mundo de forma particular. É algo provisório. Sei apenas que para cá não deverei voltar. Talvez, algum dia, eu me contradiga, mas as coisas para mim têm de seguir, sempre: This train don't stop mesmo! Eu desconheço qual será o próximo passo dentro dos próximos quatro meses (#medo). Enfim, também não sabia o que aconteceria comigo aqui em Brasília. Estou aprendendo a entregar as coisas nas mãos de Deus. Sim, eu estou.

Eu sinto o bem na minha direção, ao meu redor, acima de mim. É como se eu, de alguma forma impossível de descrever, pudesse confiar. A minha colibri ter me ligado hoje é uma dessas coisas boas. Alguns podem dizer, sinais. Eu mesmo entendi como "Ô, Pablo: siga. Você não está sozinho."

Sobre isso de solidão. Tem noites que vou dormir bem para baixo, pensando que seria tão bom ter alguém, que não fosse ligado a mim por laços de sangue, que estivesse comigo, segurando essa barra que estou passando por arbítrio junto. Então, eu acabo dormindo e no dia seguinte, com o sol, essas coisas se escondem, parecem desaparecer. Às vezes, elas voltam para me martirizar. É sempre à noite a pior parte. É quando peço tanto aos Céus que me deem calma. Algo bom se passa na minha vida, então. E eu agradeço! Eu agradeço! Eu agradeço! Eu agradeço!

Se algumas coisas não estão como eu sempre quis, talvez deva pensar diferentemente sobre elas; pesar se são de fato reais, necessitadas de concretização; possíveis. Eu só sei que, na praxis, daqui a pouco, irei colocar roupas em lugares para transporte. Amanhã, levarei tudo para esse novo lugar, na direção de um novo tempo e momento nos quais eu estou apostando - uma vez mais - a minha vida, pois a quero como tal, e não como um arremedo de existência. 

Deixo aqui, neste quarto, toda a história inicial, as lágrimas de saudade, de súplica e de alegria que derramei, desde setembro do ano passado (foram tantas...). Eu reclamei durante muito tempo daqui: de fato, abomino alguns lugares na pensão, mas não posso, de forma alguma, deixar de assumir que foi raro e bastante importante ter um espaço no qual pude deixar as minhas coisas com alguma segurança e para onde pude vir todas as noites, após horas de estudo na biblioteca (naqueles tempos de estudo para o mestrado), para descansar e ter ânimo de seguir naquele início de começo. É seguir caminhando.

Nunca vou esquecer deste lugar. Eu agradeço tanto por isso!