quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Paratático

Sem mistérios. Estou triste. "Triste demais", como a música do Mombojó. Eu deveria estar trabalhando. Eu já escrevi isso alguma vez. Acho que não estou muito bem.

A sensação é de que estou preso. Tenho coisas para fazer, mas não sei bem por onde começar. Facebook. Eu desanimo facilmente. Facebook. Isso tem acontecido há uma semana. Facebook. Aí vêm os prazos e com eles as cobranças. As minhas inclusive. Acho que as minhas demandas são as piores. Não sei se isso é importante. 

Acho que estou triste demais porque hoje conversei sobre outra pessoa. Eu dei as minhas opiniões sobre a vida de outra pessoa. Eu exerci juízo sobre a conduta de outra pessoa. Eu. Logo eu. Quem sou eu para criticar as pessoas? Não sei. Na verdade, eu me esqueci. Esqueci de que não estou em posição tão elevada para julgar outra pessoa. Eu uma vez mais brinquei de ser Deus. Agora estou excremento. Humano.


Estou aqui. Eu estou com dor de cabeça. Falei com a minha mãe. Aniversário dela. Eu escutando "Triste demais". Segunda vez. Eu deveria estar trabalhando, mas não quero. Eu não quero! Creio estar cansado de fazer as coisas que estou fazendo. Parece que estou aprendendo mais uma vez a tabela periódica. Eu não queria viver de decorar. Foi no ensino médio isso de ocupar meu tempo com coisas pretensamente importantes. A corrupção na Grécia foi antes de Cristo. As coisas do mundo se parecem sem serem necessariamente próximas. Fato.


Eu já havia me cansado de sorrir tanto. Eu havia me cansado de ser tão radiante. Eu estava me treinando para a sobriedade. Cinza. Azul. Eu vivo de azul. A minha alma, vejo, é azul. Eu quero que ela seja poética, eu até a forço, às vezes. A minha alma, no entanto, transita em um azul. Claro, petróleo, marinho, cobalto. Azul. Nada mais do que azul. O azul que me aproxima do blues, que me deixa blue. Acho que estou me acostumando a isso. É a música. É a raça. Pena. O azul tem pé na tradição.

Cinza. Eu tenho usado muito o cinza. Ironia. Eu menosprezo tudo relativo a cinzas. Talvez porque eu seja cinza. A beleza do azul na transformação em cinza.. A velha história. Medusa. Espelho. Pedra. Cinza.  

Agora ouvindo "Casa caiada". Eu também não sou mais quem fui e sinto perigo em qualquer lugar. Eu terei de mudar de lugar. Eu não estou no meu lugar. O medo não muda de lugar. Eu tento arrancar o medo e ele lá. O medo não muda de lugar. O meu medo se veste de azul. "Sinto perigo em qualquer lugar". Eu não tenho lugar. "Eu sinto muito".

Mas quem se importa muito com isso, não é? "Tá tudo bem". Devemos ser todos muito felizes. Devemos todos falar bem. Eu falei bem mal de alguém hoje. Eu me sinto blue hoje. Eu sinto que isto não importa muito a alguém. Eu escuto e danço com músicas que falam sobre alguém. Eu não vejo mais novelas e seus "alguéns". Eu não tenho lugar. Cansei. Eu não canso do azul. Eu amo o azul. Ainda que azul, eu me sinto cinza. "To be myself completely". Vou ouvir Belle and Sebastian.



domingo, 6 de novembro de 2011

Losing my Religion (ou "Universidade")

Cheguei ontem de um congresso da minha área de investigação. Estive por seis dias em Belo Horizonte. Posso dizer, foi um dos momentos mais interessantes deste ano. Eu apresentei trabalho e tudo saiu de acordo; conversei e ri muito com pessoas legais. Adorei a cidade universitária da UFMG. Os mineiros de BH são uma atração à parte. Eles me fizeram lembrar daquele slogan do Governo Lula, de 2004 ("o melhor do Brasil é o brasileiro"): BH e os belo-horizontinos, para mim, foram exemplos vivos do substantivo e do segundo adjetivo da frase publicitária. A brevíssima temporada foi quase uma pausa na realidade, à primeira vista.


A questão é que no momento atual da minha trajetória parece não haver mais espaços para "pausas", e mais: as primeiras "vistas" ou "leituras" não se mostram mais como antes (...). No evento, eu estive ouvindo tantas análises e analistas e teorias e nomes... Um conjunto de dias indubitavelmente bem formatado e importante para a minha constituição acadêmica. 

Os meus dias na universidade iam, geralmente, até às 18h30. Depois de estar atento às investigações sobre a realidade, em um Olimpo de palestras e conferências, eu, após o fim de tarde, descia ao Purgatório. No escuro das 20h, eu via brotar das ladeiras de BH uma procissão de almas acinzentadas, de um cinza que parecia substituir-lhes as almas. Arrastando-se qual espíritos penitentes por vielas escuras e cheias de pedras, de gatas cavando nas calçadas algo que nem ele/a nem eu sabíamos o quê, revelavam-se os "terríveis habitantes da Cracolândia". Seres humanos sem rosto, sem olhos, separados em um universo paralelo criado especialmente para "eles". Eu, do "outro lado", tive medo, muito medo. Não foi só em relação a eles que houve temor. Não. Eu tive medo. Eu tive tristeza. Eu tive revolta. Em espaços de tempo encerrados em uma corrida de táxi, situados pelo mostrador digital do taxímetro, pude constatar que nem o mais insistente banho poderia tirar a a cor que aqueles homens, mulheres e crianças tinham em comum. Eu via o tom diferenciado que permaneceria ainda que o cinzento da sujeira escorresse. Eles eram eu: ali na esquina, desviados das luzes dos postes. 

Mas o que eu poderia fazer? Ali, naquele momento pavoroso, nada. Tirar, talvez, do bolso o baralho das frases-feitas, com as diversas cartas de discursos revolucionários para francês ver. Porventura, divulgar um desconsolo criança-esperança... Eu me senti revoltado por, na noite, ter feito parte do grupo de pessoas estabelecidas discutidoras de modos de subjugação e ouvintes de comentários laudatórios; por estar adquirindo um tipo de letramento - junto a uma turma de certas cabeças pensantes/meneantes - para, em seguida, dentro do meu táxi, blindar-me dos seres cinzas e estranhos que rondam as noites dos grandes centros urbanos. Ou seja, em termos, a minha atitude, ali, não diferia muito do que um empresário da construção civil poderia sentir se baixasse o vidro do seu carro para jogar uma bituca de cigarro no passeio. Eu me senti triste por pensar naquele instante que poderia ser eu, mas que - devido a algum Mistério Superior - não era. Era o alívio de dali a alguns minutos estar "protegido" daquelas visões dantescas que me trazia o pesar. E eu - uma vez "protegido" - o que fiz? Qual um menino impotente, remoí-me na cama, senti uma lágrima cristã escapar e dormi para mais um dia de comunicações, palestras e conferências.

Durante conversa com uma pessoa que admiro muito, divaguei sobre alguns aspectos que tento entender. Falei-lhe das minhas dúvidas sobre a natureza das nossas ações naquele contexto intelectual. Eu questionava sobre como evitar as teorizações apenas ou como não julgar os trabalhos de pessoas que, em meu ver, pareciam apresentadores/as de concursos de beleza, por exemplo. Ela me explicava as coisas de forma clara e contida, a despeito da minha confusão refletida na linguagem por meio de quebras e clivagens frásticas. Assim como a minha mente, diante dela, a comunicação (da minha parte) era uma verdadeira fuga de espirais assustadoras. "Eu precisava era de ser mais prudente e menos exigente" - foi o que ficou de síntese. Eu preciso esquecer das platonices. Eu, contudo, perguntava a mim mesmo, internamente, "como?"

Não entendo, até hoje, como somos expostos todos a tantas coisas que parecem ser factíveis, ficamos cientes dos problemas havidos e as coisas ainda atingirem pontos críticos. Afinal, para que saber de História? Para construir e admirar heróis? O que é a escola? No que estamos nos tornando sob a roupagem de pessoas mais esclarecidas do que "antes"? E esse "antes" é tão antes assim? Observemos o mundo. Eu, muitas vezes, tenho me visto criticando tudo e todos, na exigência de uma coerência na qual acredito; não se trata de me ver mais forte ou melhor do que os outros. Eu compreendo essa implicância como um grito de socorro ou de alerta - talvez porque eu ainda acredite na Humanidade; talvez porque eu perceba as possibilidades do devir. Penso ser possível fazer mudanças mais rápidas. Leiamos, então, um pouco mais a história da civilização ocidental com atenção; pensemos em um modo de compartilhar de forma efetiva o que os títulos legitimadores nos conferem para que deixem de ser puramente ícônicos; reflitamos sobre a nossa posição ocupada no organismo social. Eu não sei profundamente de nenhuma teoria sociológica, nem tampouco dos nomes e cronologias dos filósofos sociais: o que penso, escrevo e falo são miscelâneas das coisas que ouvi durante a minha ainda jovem vida e que me pareceram ser viáveis para a ação no controle da mesquinhez humana. Todas as falas que me atingem de verdade passam pela compreensão do indivíduo na direção do social. Às vezes, penso sem maiores critérios em ideais ou levo em consideração os fatos concretos inexoravelmente visíveis, mas vejo que, neste momento, eu tenho forçosamente de estabelecer um ponto nodal. É hora de evitar a transformação das coisas na minha cabeça em uma mixórdia estéril.

Eu me vejo em um momento esquisito e lindo. Eu me sinto mudando assim como o mundo o está. Tenho medo de bastantes coisas: de teorias, de sorrisos amarelos, de pessoas muito perfumadas, dos meus próprios preconceitos. Eu sofro sem propriamente sofrer na pele. Eu vejo os olhos, analiso os comentários... É chato fazer isso todo o tempo. Eu não quero ter de ficar cobrando a coerência alheia e ser uma espécie de bastião tosco da Verdade. A cada dia quero estar mais longe da Verdade, mas não estou fechado às verdades, pois sou parte desse contexto de disputas. Vejo as tais verdades como visões de mundo naturais (de pessoas, que assim como eu, estão, ao seu modo, inconformadas com o que presenciam nos intervalos do despertar e do adormecer), mas que podem tornar-se perigosas na medida em que seus difusores não atentarem para a sua posição no mundo, bem como à força que o termo "verdade" adquiriu na nossa sociedade. No meu ponto de vista, a questão chave está em perceber as verdades como idiossincrasias - ou seja, posições altamente subjetivas e influenciáveis - e que, desse modo, não devem ser impostas. Mas talvez esteja sendo ingênuo, pois me parece que as verdades são verdades por se suporem únicas e fatais. Assim, percebo que, isoladas, as verdades têm poder: escravizam, sugam e matam.

Somadas, as verdades se confrontam e dão origem a galáxias e a universos. É a proposta de um exercício de fato do meu conceito de universidade.

Como cantou Mercedes:  Le estoy hablando, hablando a tu corazón... [ao menos, tentando.]

P.S.: Quero, com este texto, também agradecer às pessoas que estiveram comigo e que me ouviram em um dos momentos mais inesquecíveis deste ano. Obrigado, Andreia,Viviane, Risalva, Vângela, Ailana, Gissele, Anna Clara, Ramalho, Pilar, Lílian e Virgínia Colares.