segunda-feira, 2 de novembro de 2009

E hoje: Aula de Calamidades!


Enquanto estava lendo 99 calamidades em sala de aula... e como evitá-las (2008, Special Book Service Livraria) não consegui evitar que voltasse a minha mente uma inquietação que me acompanhou por um bom número de páginas: o que é ser um (bom) professor? Durante esses últimos meses ando bastante envolvido com questões que me conectam diretamente à sala de aula. O período de estágios supervisionados tem sido um aprendizado tremendo, uma nova interpretação e – assim como todo modo de ver qualquer situação de maneira inédita desorganiza coisas assentadas – isso tem sido complicado para mim.

O livro de Tabatha Rayment me fez sentir, de certa forma, angustiado como Rufus Wainwright – em Imaginary Love – quando diz: Schubert bust my brain to start with; só que, em vez do compositor austríaco, o livro foi que me forçou a dar início a atitudes. No desvendar das 99 (e mais algumas outras da parte 13) situações expostas, houve momentos em que concordei, outros em que não, contudo na maior parte deles fiquei indeciso. Antes de mais nada, é difícil deixar de notar a diferença cultural denotada no livro. Nota-se que os professores, seres humanos (como a autora sempre faz questão de ressaltar), são influenciados pela cultura de seu país, ou seja, diferem de lugar para lugar. Dirigido originalmente aos profissionais ingleses, a conduta colocada pelo livro chama a atenção para a “demarcação de território”, na qual professores são professores e alunos são alunos. Daí dizer que me senti como na música de Wainwright, uma vez que aqui no Brasil algumas atitudes destoam do que é proposto na obra, pelo menos com a maioria dos profissionais (incluindo aqueles dos quais recebi aulas ou que, posteriormente, observei dando lições), que se confundem entre papéis muitas vezes conflitantes.

Os professores que passaram por minha vida foram uma mistura do perfil trazido pelo livro e o visto na prática. Hoje, observo haver, à parte os empecilhos da profissão, alguma confusão em delimitar pontos. Alguns professores cambaleiam entre ser amigo, algoz ou o que está ali exclusivamente para “trabalhar”. Durante as minhas visitas de Estágio confirmei a problemática. Quando o professor quer ter um bom relacionamento com a turma fica balançado como deve proceder. O livro deixa claro que o professor jamais deve se desviar do foco, que precisa deixar clara a divisão entre quem ensina e quem aprende, sem usar de prepotência e arrogância. É como utilizar-se de uma personagem para assumir responsabilidades graves. Na realidade – e muitos têm noção disso –, as coisas não são simples, pois boa parte dos educadores assume a profissão como uma simples fonte de renda e, por isso, querem estressar-se o menos possível, assim, deixam que a sala passe a ser uma extensão do seu círculo de amizades. Permitem brincadeirinhas rotineiramente, as conversas paralelas são encaradas como naturais dentro da aula, gritos são uma constante etc. Quando se dão conta de que as coisas saíram do controle já é bem tarde. As turmas são geralmente cheias (30 a 40 alunos) e se é complicado garantir a aprendizagem com a turma participando, fica mais difícil ainda numa classe grande e dispersa. O livro tenta mostrar que um comportamento permissivo tem grande tendência a transformar um dia de aula no maior dos pesadelos. Ainda há aqueles professores interessados nos rendimentos apenas e que controlam a turma “da maneira que dá”, por isso, todas as salas serão sempre “mais uma sala”. É o típico comportamento-redemoinho. Claro, também existem os algozes, que enxergam na docência uma oportunidade de se vingar do mundo. Como esses o livro prega que se deve ter cautela e aprender com seus erros sempre que possível.

Como num manual de instruções, há um número grande de acontecimentos, sugestões e depoimentos, que ilustram as tais calamidades. A autora traça perfis que passam pelo professor, pelo aluno, pela escola e pelos demais profissionais que fazem parte do lugar. O aluno do 99 calamidades... é descrito como aquele ser em constante processo de poda. As situações trazem o desenho do que possa ser mais realista acerca dos seres em formação, dando a impressão da sala como um universo de possibilidades regulado pelas mãos dos estudantes e amortecido pelo professor. Cabe ao mestre escolher as melhores formas para se proteger (contra-atacar?) de maneira sensata e fria. Quando o assunto se volta ao ambiente de trabalho, o livro incentiva os professores a ser, além de solícitos, organizados, salientando os grandes benefícios que o controle de ações traz. É interessante como a autora reforça o quanto o profissional da educação precisa ter cuidado consigo mesmo (ponto importantíssimo para uma qualidade de vida satisfatória); são trazidos conselhos vários sobre prioridades, engajamento (na medida), bem como tópicos essenciais sobre saúde (como a abordagem sobre depressão) e relacionamento na escola. Ao tratar do professor, ela faz questão de clamar, de maneira persuasiva, pelo lado ético da profissão: a função do professor é aquela aprendida ao longo de sua formação e deve ser respeitada e perpetuamente lembrada: a de ensinar. Este verbo de ação ganha, em alguns momentos do texto, contornos de extremo controle e não raro remonta ao conceito batido de “sacerdócio”. Fica pouco claro, apesar de citado, se é fato o que ela professa, principalmente em contextos como o brasileiro, no qual um professor é, de forma recorrente visto trabalhando em diversos empregos ao mesmo tempo.

Em 99 calamidades... a autora auxilia o professor que está em sala de aula (novo ou experiente na profissão) no melhor gerenciamento das coisas que podem (sempre ou porventura) acontecer. Na maioria das passagens, percebi certa repetição, mas nada que atrapalhasse as histórias, visto que o livro é uma espécie de “terço de mais de cem contas” e se desenvolve a partir de um tema central. A leitura é tranquila e num instante se chega ao fim da obra. Do meu ponto de vista, há um bom diálogo com as questões que afligem o professores, ainda que estejam baseadas na generalização. Como todo generalizar é perigoso, o livro deixa passar coisas que se chocam com a diferença na realidade (apesar de não perdê-la de vista). Concordo com boa parte do que a obra apregoa: a pessoa pretendente ao cargo da docência deve ter em mente a aprendizagem enquanto ponto principal e fundamental. Fica claro que, se ela pensar assim, fará, na maior parte das vezes, ações que seguirão no sentido do crescimento do aprendiz. No entanto, é forçoso relembrar que todo processo implica perda e implica ganho e que na profissão de educador as coisas parecem ser potencializadas de algum modo. O cansaço dos profissionais de educação ultrapassa definições para quem o vive. A consciência e o compromisso no exercer da vida docente é no que posso concordar, pois, a despeito das notas da adaptadora, o livro apresenta circunstâncias diversas, exemplos que beiram a comicidade (o que atribui ao livro leveza) e em várias passagens tenta conciliar comportamentos contidos, frios e calculistas aos humanistas, os quais precisam ter base e especialização nas formações acadêmica e continuada, conhecidas aqui no Brasil como vulnerabilidades do sistema de ensino.

Enfim, não tenho certeza sobre o meu futuro na carreira, afinal – apesar de caduca para a autora – muitas vezes ser professor no Brasil parece ter, ainda, sabor de vinagre, com cruzes que, para quem acredita, são pesadas demais. Os Estágios (de Português e Inglês) têm me mostrado isso: muitas vezes você cansa, mas você não pode cansar. Não pode. Tem sido um excelente momento estar na sala de aula e ter tido contato com o livro de Tabatha Rayment, pois é mais um apoio a quem está necessitando e, de alguma forma, ainda acredita naquela necessária e velha história de “Futuro”.