quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Meio cheio/meio vazio


Eu já tinha caído, ralado o joelho no asfalto, ido para o hospital, mas a primeira vez que lembro de ter encarado o sofrimento foi quando vi o meu pai sangrando. Ele havia tomado uma queda, algo meio tolo. Nunca  me esquecerei daquele filete de sangue relutante em se manter na testa e no nariz dele. Meu pai e sua figura sempre altiva, toda-poderosa, algumas vezes prepotente quando do alto das suas verdades, era, naquele momento, um serzinho machucado, e só; sob os cuidados da minha mãe, indo para a cama mais cedo, ele desaparecia em uma humanidade que então, para mim, beirava o terrível. Foi quando eu sofri.

Tive, depois, outros momentos de "enfrentamento do terrível", mas aprendi a fugir, a correr e a me esconder. Na verdade, aperfeiçoei-me nisso. Eu sofri sim e aquilo de novo eu não queria. Era ruim demais. A minha vida seguia em um rumo em que eu desconsiderava o sofrimento: preparei uma nuvem para tentar me afastar das diversas possibilidades de  dor. Elas, no entanto, vinham. 

Perseguia o "belo", aquele conceito sofisticado greco-romano que me ensinaram a amar nas salas de aula.  E eu viajava rumo a cada vez mais longínquas, brancas e confortáveis nuvens. Um mundo pretensamente perfeito e harmonioso. Eu queria mais era ouvir o som de harpas: adorava quando elas me saudavam, quando me anunciavam. Uma vida de música, depois de poesia, seguida da filosofia. 

Às vezes, fico olhando para descrições como as anteriores sobre reminisciências do passado. É um exercício particular. Vejo que ainda me recuso a abandonar uma história que vai se tronando história a cada passagem de mês. Eu organizo modos de mudança, mas não é raro o transporte para um tempo que está em outro lugar, em outro ponto cronológico. Não quero dizer com isso que estou parado, que estou contrariado etc. De fato, eu não sei se isso é de todo mal, mas a questão é que pareço estar invencivelmente ciente dos passos largos dados; pulo e não meço tanto o impacto que a ação causará aos meus joelhos e a outras articulações: no calor do momento não se sente nada além da satisfação do projeto, mas à noite, quando chega o momento de recolhimento, algo não está como antes, existe o incômodo. Estou tentando sanear em mim pontos que considero críticos, mas à noite eles sempre voltam. Eu me pergunto o que está acontecendo e nem sempre tenho quem me responda. E a culpa é de quem? Sei lá, eu me sinto bem só, algumas vezes, porém não queria acrescentar mais essa peça de vitimização ao kit. Eu rio, tentando ser animado, para esconder um nervosismo decorrentes de assombros constantes. É uma espécie de resposta imunológica. Eu sempre estou tentando me defender. 

Eu vejo um mundo que fora da minha casa é mais feio do que o que via na escola. E eu ainda estou pensando na escola (!!!). Relampejos de infância me fazem tremer, mas a mensagem urge: eu devo ser adulto! eu devo ser responsável! Putz! eu já devo tanto sem nem pagar impostos. Às vezes, eu não sei bem como agir. Algumas pessoas não sorriem de verdade, parece tudo tão encaixado em "momentos propícios". Daí, dá medo de gostar das pessoas, mas, é inútil, pois eu já gosto. Eu gosto fácil. Novo problema se forma: como gostar sem invadir? "Controle", é a minha resposta. Tenho problemas em me controlar porque decidi, quando dei início à Caminhada, optar por um mundo mais verdadeiro. Eu tenho me esforçado tanto para ser verdadeiro comigo mesmo e com os outros e preciso controlar um lado tão "meu"... É o mundo das convenções... Sendo verdadeiro, um mundo do qual eu me sirvo também.

Eu pensei que fosse escrever um texto alegre, pois a terça foi um dia produtivo (em que fiz várias coisas que julgo terem sido boas). Mas são coisas que estão passando pela minha cabeça a essa hora da noite logo após uma palestra sobre a Esquerda brasileira e os problemas sociais do país. Eu deveria estar dormindo, mas julguei ser válido escrever. Dia desses, estava pensando sobre o porquê de escrever aqui. Acho que é uma forma de me ouvir, de me entender, a esperança de que em certo momento da vida eu veja concretamente que passei por momentos estranhos. Parece impossível para mim parar de perseguir "a felicidade".  

Aff...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Pêndulo

"Fazer a revolução". Eu, na busca de mim mesmo na vida, escutei diversas vezes essa frase. Percebi que havia vários tipos de pessoas e de vozes conclamando um grande número de gentes a urgir na ação. Vi também que, em boa parte das ocasiões, eram mesmo e, logo, apenas números. Números e números. 

Presenciei quantidades executando verdadeiras cenas, ora longe de mim, ora perto de mim. Eu sempre me questionei a respeito do porquê daquelas coisas, quando acreditava decifrá-las. A imatura conclusão de que não deveriam fazer aquilo, em uma pretensa superioridade que certamente é parte do órgão da alma humana.

É claro que não passei incólume. É óbvio que também embarquei na vibe de mocinho e bandido (lição aprendida corretamente por meio da religião e da televisão). Quando tive mais ciência de mim, constatei - talvez ainda venha constatando, perplexo e contido - que somos todos mocinhos e vilões, dependendo fortemente das possibilidades e do retorno. E, quem sabe, não há de todo problema nisso. 

Seguindo, vou observando como não sei de coisas sobre mim, sobre os outros, e, ao mesmo tempo, o que não quero para uma vida que ilusiono traçar. É um bom passatempo brincar de War, mas a direção são os dados que apontam. O tempo passa e talvez não seja necessário sempre sorrir, banalizar o belo - principalmente quando se está em processo de localização. Não acredito: já tenho fios brancos na cabeça... 

Penso que atualmente me encontro pendulando para o pessimismo. Sabe, já não me culpo mais como antes. Ando cansado de garimpar a maior parte da culpa em mim (postagem tristesse passada). Isso consome muita energia. Aliás, eu vejo as pessoas gastando tanta energia em jogos e em palavras, em jogos de palavras. Penso - ou melhor, justifico - que pode ser mais um modo esquisito de fazer a vida valer a pena, de alguma forma. Eu preciso aprender a viver. Eu no processo de compreensão. Mas não sou bom, que fique posto. Quando a pessoa se vê em um mundo diferente do dos tantos livros de fantasia que passam pela vida, a tendência provável quiçá seja a de criar um universo onde se possa viver sem sofrer. É experimentar o doce no escapismo. E eu não sei até que ponto é ruim fugir. Em tempos remotos, eu quis ser o Super-Homem, porém, de repente, outubro de 2011 chegou. Desconfio, assim, que fugir não é a saída. Para falar a verdade, nem sei se existe "saída"; talvez isso seja mais um tema para jogos de linguagem, um no qual tento a arte do convencimento: a mim e a meus pares. Afinal, uns dizem que a vida é uma eterna busca, outros que a saída é a morte. Mas estou em pêndulo e não me limitando à compra de visões de mundo fáceis. Não tão facilmente.

Com 25 anos, sinto a possibilidade, porventura positivista, de testar as hipóteses que servem de retalhos para a Caminhada da existência. Sendo funcional, é como se soubesse da oportunidade que se apresenta  em um momento agora de rememorar o que vinha ouvindo pela Estrada e, experimentalmente, aplicasse tais amarras a uma realidade disponível (em que caracteres e signos diversos desfilam intrigantes "verdes e incolores dormindo furiosamente" - hehehe!). Tenho medo, bastante medo - no fundo e na superfície - dessas coisas, mas, ao mesmo tempo, sinto um impulso, o propósito de ser delas: é quando me encontro. É tempo, então, de, uma vez recobrado e sensível na desproteção, aproveitar os lances de estranhamentos para ver como e com quem posso compartilhar: é quando descubro o outro. É quando me sinto parte da Natureza. Porque sei que não existe mais espaço para síndromes de solidão constante. O Romantismo está tão old-fashioned.

Este texto é essencialmente díctico. É também uma espécie de homenagem. Ele é resultado de uma quinta-feira ótima e muito "produtiva" (ai, essa palavra...). Durante todo o dia, estive com pessoas de quem gosto, em ambientes que me inspiram, falando sobre coisas que considero relevantes, em exercício saudável. Impossível fechar os olhos para isso! Não tenho a capacidade idiota de desdenhar os presentes que são ofertados a mim pela Vida. Não mesmo! Três dias atrás, fui uma Clarice em felicidade clandestina. Parei. Acho que estou confortável no pêndulo.

O ponto é que hoje não acredito em boa parte do que me construía. Tenho os olhos abertos. Ainda que dolorido, vejo que é preciso, sim, "fazer a revolução". Sempre. Hoje, bem mais cônscio, analiso o tanto que fui soberbo em julgar aqueles que gritavam sobre revolucionar. Os árbitros, geralmente, levam-se muito a sério e ainda mais quem brinca de querer ser um. Ouvi de uma pessoa que cada ser ao executar determinados atos, sejam eles "bons" ou "ruins", crê e vive o seu momento de verdade. Por que não (se) deixar acreditar? Live and let live... Provavelmente, o problema ou a saída esteja aí. A chave que Alice procura sempre aparece do lado oposto. Como lidar com tanta humanidade na ilusão de poder controlar o impossível? De fato, não sei. Não sei. Estou filosofando. Certas vezes, eu me iludi - e ainda me iludo - na vitimização, no entanto me absolvo por ser humano e cada vez mais humano. Tenho me perdoado bastante. Vejo a chuva fina e preguiçosa, as árvores balançando, os passarinhos andando de forma engraçada, ouço What a Wonderful World seguida de Feelin' Good, noto sorrisos, noto enfim o meu sorriso... sem temer, penso: Vida!!! e isso vale tanto mais do que as infindáveis construções. Tudo é sabiamente relativo. Para que, então, descer do pêndulo (pelo menos, neste momento)? Estar nele é aceitar que não aprendi totalmente a me encaixar nos extremos. Talvez seja essa a minha forma de revolução.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A semântica do cinza

Aqui em Brasília está cinza, assim como eu. Na verdade, estou em um intermezzo, em um tipo de espera de uma continuação. Há alguns dias queria ter vindo escrever, mas não rolou. Não está dando para fazer muita coisa, nesses últimos tempos de obrigações. Precisava, no entanto, disto aqui - assim como as plantas da janela da casa onde estou precisaram de água no tempo em que estavam de cor sépia. Com a Primavera, presenciei uma ressuscitação e, neste momento, é como se eu precisasse de um ressurgimento.

Sou eu às voltas com os meus pensamentos. Aquela longa e arrastada história. Não sei se este é mais um daqueles momentos que se vão quando me deparo com alguma "alegria de semana". No que elas, efusivas, passam, eu fico mal, de novo. Aí, fico pensando se isso acontece com todo mundo; cogito estar exagerando e, na maioria das vezes, acredito - ou me certifico de - que (boa parte de) tudo é minha culpa. Eu fico bastante cansado de ter a culpa só para mim, mas penso que talvez essa atitude tenha alguma correspondência com o fato de ser adulto, aquela coisa de arcar com as consequências, aguentar o tranco, fugir do espectro de um erê constrangedor. Tem dias que acho que não vou suportar o tranco. Hoje é um deles.

Eu deveria estar escrevendo um projeto para a disciplina de semântica, em uma segunda-feira, dia de responsabilidades esquematizadas por mim em um roteiro de estudos. Mas eu rodo, digito umas coisinhas furadas e me canso. Fico farto de tudo. Cólera direcionada aos livros que não dou conta de ler; à televisão que não para de passar as mesmas coisas; às pessoas de comportamento insuportavelmente lacônico. Desconfio de que estou em um momento crítico: eu de significados, tendo de lidar com sentidos. Vejo-me cercado de visões-e-visões-e-visões-e-visões-e-visões (e) de mundo(s)... Como a música da Calcanhotto, "(...) logo eu...". Creio estar vivenciando o chamado "desencantamento do mundo".

O fato é que as coisas parecem esquisitas. Estou totalmente inserindo-me no tempo, fazendo-me de Tempo, atado a prazos e datas e rotinas maquinantes. Um operador de atividades cíclicas. Estou me moldando a ser prático e objetivo, a abstrair apenas o que é proposto para mim como abstrato. Estou entrando em estruturas complexas que não entendo, mas devo seguir. Sinto como se a poesia fosse morrendo a cada dia em mim. Eu estou me debatendo porque eu sei que sou diferente. Não estou conseguindo lidar com essa diferença inserido em um mundo de pessoas tão iguais. Começam, então, as merdas de pensamentos circundantes e estéreis; questões que fogem do meu controle, mas que eu quero que aconteçam a todo custo. É um mergulho dentro do mundo que eu mesmo criei, mas que não se desenvolveu. Um feto que está formado, pronto, que não vingou e que, ao mesmo tempo, não se caracteriza propriamente como um aborto. O não-lugar. É como se em um ambiente quadridimensional e inexplicável,  frames fossem passando - agilíssimos em seu tempo - sob a minha percepção pasmada: sequências imagéticas atrativas a mim, mas que me enganam, que me seduzem a entrar em cada um delas e que, em simultâneo, frustram-me por serem apenas partes incompletas de um todo maior, cuja constituição integral não suporto aguardar. Eu me percebo, então, construindo períodos imensos. Não posso viver em um frame; eles passam. Precisam passar.

Eu sou alguém que, talvez, não aprendeu a seguir. Eu sou alguém que está preso a coisas que não existem ou já se estão diluindo. Como uma daquelas maldições de histórias epopeicas: um jovem nobre sentindo algo fantástico diluir-se entre seus dedos, perplexo na agonia de sentir e não saber o que está indo embora. Tão perto e tão longe. Mas eu, ao acordar e pegar um desrespeitoso ônibus, vejo que  não sou um príncipe. Até sair do meu castelo, eu sempre tive a certeza disso. Ávido e seguro, eu possuía essa minha verdade. Hoje, sou de carne, osso e sentidos.

Daqui a um tempo o ano acaba. 2011, 2012... Eu, que sempre quis ser realeza, vejo como o mundo é diferente do reino que pintei. Isso tem algo de positivo, some say... Afinal, tudo pode ser bom, divino, maravilhoso. 

E os quadros passam; um, que, logo, torna-se dois, três, quatro etc. Então, deixo de ver desenhos de paisagens pinceladas para interpretar os fenômenos como cinéticos, observados em construções longe, lineares e cinzas, da cor do céu de uma terra ressecada, que assume dimensões novas, não imaginadas, mas ainda assim concretas e sensibilizadas somehow. Eu em mais um período longo, o qual preciso escrever, o qual preciso viver.

Eu, amante devoto do Tempo.