terça-feira, 30 de março de 2010

"Parece que foi ontem..." (Já?)



Fim de manhã. Estou em casa, sentado, escrevendo sobre um dia de março, um de costume. Ele vem uma vez ao ano. Suas visitas têm sido cada vez mais diferentes. A sala principal está bagunçada e a mesa da secundária está com coisas minhas sobre ela. A cozinha tem a pia cheia de pratos sujos do dia anterior; na mesa estão os pratos lavados naquele mesmo dia. O sol sobe, desce. Ele está oscilante como eu ao saber que hoje completo 24 anos de existência.

Os anos passam tão rápido. Ainda ontem estava sendo acordado cedíssimo para não perder o carro que levava a mim e a minha irmã à escola; ouvindo os gritos da minha mãe para não me atrasar, comendo qualquer coisa, altamente desapontado quando não encontrava o cereal açucarado de que tanto gostava. Enquanto isso, Zizi Possi seguia cantando "A paz"... Era como eu ia estudar durante a primeira e decisiva juventude. Estou iminentemente tornando-me apto a dizer "Parece que foi ontem" - Nossa! -. Acordei dando-me conta de que hoje não tinha mais o tempo que passou e que é mais um dia meu neste mundo viciado e pretensamente virtuoso.

Hoje é o primeiro dia do meu quarto ano de vida na segunda década da minha vida. Daqui a pouco vou ligar a tevê para assistir ao jornal: vou ver as mesmas coisas fantasiadas e proferidas de maneira arranjada. E eu não era assim. Com 24, estou no processo difícil de desconstrução. Concordo. Estou estranho. É o gesso se aproximando dos meus pés.

Este blog tem sido uma maneira de me observar (em datas de aniversário, por exemplo) e, simultaneamente, deixar que os outros façam o mesmo. É um exercício de sobrevivência, um relato de quem anda no tal Caminho, aflito por salvar um ser raro descoberto aqui dentro. Eu me dispus a andar e me vejo prestes a iniciar a etapa seguinte. Ela está para vir. Ela vem estridente no afã de questionar o que é o homem sem o movimento? Eu vejo: é uma estátua de gesso ou ídolo de barro. As mensagens estão aí, são as mesmas, e seu conjunto indica algo.

É em mais um dia ensolarado - em que minha mãe está viajando, a minha irmã na universidade e meu pai por aí - que eu estou aqui, escrevendo, escavando o lodo e plantando sementes nele, esperançoso de vê-las brotar. É um dia simples e completamente novo, sem tantas metáforas como antes, é verdade, mas rico igualmente, afinal tenho em mim misturados 24 Pablos. Pode ser a momento de esperar pelos fins de mês, receber correspondências não muito desejadas, ficar atento a vencimentos, criar barriga, ver nascimentos, lamentar mortes, e, quem sabe, encontrar alguém para dividir essa "nova" vida (OU estar alerta e parar de olhar para trás). Eu sei, foi-me dada a oportunidade de voltar a respirar.

Quando fiz 23, tive o sentimento de "sonho acabado". Isso foi concreto. Não estou triste, mas saudoso do que costumava ser e ter e, ao mesmo tempo, ansioso para ser o que serei. É tudo novo. Olhar-me no espelho impulsiona a viver neste mundo.

Ainda sonho, mas hoje faço com o meu braço o meu viver... Eu não quero parar, seja meu caminho feito do que for.

:P

domingo, 21 de março de 2010

Orgulho

Por tantas vezes me deparei com momentos os quais pensei serem tão sem importância. Hoje, no entanto, eu percebo o quanto eles foram decisivos na inquietação que atualmente me persegue e da qual tive noção da existência: o orgulho. O texto de hoje dialoga com um que escrevi em 2007 sobre a vaidade.

"Quando eu era (mais) jovem, eu pensava que não precisava de ninguém"* é o trecho inicial de uma música que diz muito sobre pessoas orgulhosas. Antes de mais nada, convém lembrar que a palavra "orgulho" é uma moeda, com duas faces: uma boa e outra má. Falarei da perversa.

Sempre fui alguém muito receoso acerca de muitas coisas e isso eu carrego desde os tempos de escola, quando tive contato real com o outro, nas várias vezes em que morria de medo de não ser aceito. Eu sonhava com amigos e situações perfeitas. Com o tempo, vi que coisas assim não vinham, então pus os pés e as mãos na feitura de uma rua onde andava e pensava "rapaz, talvez eu nem precise tanto assim das coisas, talvez nem faça falta me envolver com pessoas". Deste modo me questionava para que serviam algumas relações.

O tempo foi passando e aprendi a fazer as coisas sozinho, consegui ver sozinho e - para minha triste constatação - me tornei sozinho. Ser só virou assim uma condição: não confiar em ninguém, não falar além do necessário, não gostar de ninguém. Apenas quando estive num dos momentos mais críticos da minha vida percebi o que havia construído para mim: a outrora rua tornou-se cidade, uma área cuidadosamente urbanizada do "eu-sozinho". Era tudo tão lindo, ficou tudo tão organizado, tão milimetricamente traçado que, simultâneo ao deleite de ser dono do pedaço, tornou-se insuportável saber que no lugar só havia eu numa casa, eu vendendo e comprando pão, eu regulando o trânsito, eu administrando tudo. Sufocado, vi que não aguentava morar ali. Tudo era tão igual a mim.

O pior é deixar um projeto bem sucedido para trás. Você pode tentar fazer isso com muito esforço ou simplesmente ser forçado a fazê-lo. A segunda opção veio até mim como um tsunami. Ela me fez ver que o nome daquela formidável construção se chamava "Orgulho".

Aparenta ser maravilhosa a sensação de se pensar e se ver acima do mundo, mas parece, ou seja, não é (real); um dia, quando a cegueira do orgulho começar a coçar, é que se perceberá isso. Dei-me conta de sua presença em mim, porém, como disse, não é tarefa tranquila abandonar algo formatado durante períodos vários da vida. Ainda hoje tenho pertences em diversos imóveis da claustrofóbica cidade e por diversos momentos me vejo voltando a ela, ora para relembrar o quanto é confortável estar num local familiar, ora para resgatar definitivamente de lá partes minhas. Esses momentos acontecem, vem e vão; observo que, de fato, não se pode existir sem o outro, sem a sua humanidade refletida no diferente e vice-versa. Eis a questão: há o vice-versa; há o mútuo, independentemente se você quer, enxerga-o ou não.

O Orgulho é um dos amantes da Vaidade, talvez seu mais querido. Quando você se vê nos braços de um dos dois - e, consequentemente, nos dos dois -, fica difícil de ser o que era: é possível notar seus aspectos grotescos e ter de aprender a conviver com eles. O orgulho faz você pensar que não precisa ligar para aquele ser de quem você gosta por considerar algo bobo, ou dizer o quanto o ama e o quer pela infame ideia de ser colocado numa situação tremenda de exposição. É o medo de se mostrar fraco, de reconhecer sua natureza, de ser interpretado como animal humano; ele pode conduzir sua mão à da vaidade para juntos não encararem o mundo do jeito que é, da maneira que você é. Tenho muito a aprender e uma das coisas fundamentais é não mais interpretar trechos de "All by myself". Sem mais papéis: no more "Movies of myself"**. A Vida nos dá diversas oportunidades de mudança, cabe a nós detectá-las através da sua aparência de simplicidade. Parecemos comprar a ideia de que, num mundo como o nosso, não há lugar para o frugal.

Bem, o orgulho é mais um dos demônios que tento exorcizar neste texto. Sei que ele é parte de mim, afinal fui arquiteto da tal cidade. Quisera um dia apenas retornar ali para resgatar os moradores e libertá-los, soltá-los em algo maior que não se encerra nos limites de uma zona fechada. Estou trabalhando nessa nova empreitada. Estou no caminho.


*All by myself
** de Rufus Wainwright

quinta-feira, 18 de março de 2010

Quem irá nos proteger? (I)

Tem tantas coisas neste mundo que não entendo. Eu não sei qual é o problema de algumas pessoas. Hoje ouvi coisas que me deixaram tão triste. Fiquei decepcionado - mais uma vez com o ser humano -, mas constatei aquela velha história das máscaras. Seria tão bom se todos tentássemos nos esforçar para fazer da nossa existência um lugar de trocas, mas boas, sem que o principal assunto fosse maledicências.

Já observei que, por exemplo, para muitos uma noite não tem graça sem exceder na bebida alcoólica, ou um papo não é interessante se o principal tema não for a vida alheia. Eu me sinto tão esquisito em situações deste tipo; faço um esforço tremendo para fugir de cenas assim, mas não preciso ir muito longe para presenciá-las. Fico muito mal com isso, pior, me sinto como um estranho no ninho, pois - após fazer um acordo comigo mesmo - não compactuo com pensamentos que tenham fundo nocivo. Muitas vezes caio, mas quando tenho noção do tombo, aguço meus sentidos mais para não voltar a pisar em falso.

Quero me manter afastado desse tipo de gente. Não quero ser assim. Não quero ser perverso.

É isso. Tô pra baixo.

:(

domingo, 14 de março de 2010

Chega cá, saudade!

Escutando Belchior, Milton Nascimento e, ontem, ao ver o afilhado da minha irmã cada vez mais crescido, volto a me ligar à música: (afinal,) "el Tiempo pasa", como dissera Mercedes Sosa. Muitos já perceberam que tenho fixação por canções; uns se incomodam, outros apenas acham graça. Eu não ligo. É na música que estão coladas as etapas importantes da minha vida. Quando comecei lá na UFS, por exemplo, resolvi fazer algo diferente para não perder os momentos que, eu sabia, não voltariam mais. No início, pensei à maneira clássica: fotos. Desisti, pois tinha algumas pessoas que não gostavam de tirar fotografias ou eram insuportavelmente tímidas. Como nunca tive paciência para adulações, apostei em algo que não exigiria muito esforço nem da minha parte nem da dos demais: canções. Fiz, para cada período, um álbum de recordações musical.

Neste momento, estou ouvindo o que me remete ao sétimo período, há dois anos, mais ou menos. Na verdade, não faço ideia de quem eram os professores daquele momento, tampouco das disciplinas, mas lembro sim que foi um dos semestres em que mais estive comigo, encontrando forças para tentar entender coisas à minha volta. Cada uma das mais de dez faixas esteve na minha cabeça e congelaram aqueles tempos nem tão longes nos quais estava eu com os convidados especiais da minha vida.

Duas, do álbum 7, que me trazem doces lembranças são "Objeto não-identificado" (cantada por Gal Costa) e "Santa Chuva" (cantada por Maria Rita). Ah! Que saudades! Naquele tempo estava numa fase boa, pela qual todos deveríamos passar: a descoberta da amizade. Passei inesquecíveis horas regadas a estas duas músicas: olhando as estrelas do céu, contando, deitado na grama, histórias de vida e cantando solto, junto e em voz alta, tal qual aqueles que não têm vergonha nem culpa por estarem felizes. Quando ouço essas duas canções - e se fecho os olhos - voltam todos os sorrisos, as brincadeiras, bem como os receios de não acertar (e o desejo legítimo de se mostrar como um porto seguro para o frágil barco chamado amizade). Nos momentos de maior tensão (musicalmente falando) dessas músicas residem também as vezes em que não entendia algumas atitudes - julgadas por mim como erradas - por parte desses amigos. As músicas serviam para acalmar a inquietação, fazer repensar, uma vez que traziam eternamente consigo o momento primordial: o início do amor. Hoje essas pessoas - assim como eu - estão seguindo com as suas vidas. Não temos mais o contato de antes, em verdade, nem conversamos mais, porém elas estão comigo: quando (no mesmo álbum) escuto "É tão lindo" (cantada por Simony & Roberto Carlos) sei da estranheza que sinto, ela tem muito a ver com eles e, ainda que as letras das canções mostrem situações ideais de relação, o meu mundo não seria igual sem que essas pessoas tivessem passado pela minha estrada congelando-se eternamente, primeiro, nas canções e, agora, neste texto.

Quando ouço Corinne Bailey Rae suspirando "Choux Pastry Heart", lembro também de quando me vi apaixonado, esperando pela ligação de uma moça que era como uma rara e retinta ostra de profundeza do mar na qual eu insistia em ver uma pérola. No fim das contas, só via fleches do seu brilho. No fim de tudo, vi que eu havia jogado o grão de areia dentro dela, mas não teria o direito de ver a tal pérola formada - talvez existente apenas no meu desejo -. Milton Nascimento então me traduziu com "Corsário", mas Amy Winehouse venceu e me convenceu de que "Love is a losing game"...

Gilberto Gil e Caetano Veloso foram partícipes daqueles tempos - com "Haiti", pude ver além das histórias dos livros universitários: havia gente como eu, passando o que eu não passava -, bem como Baby Consuelo com "Todo dia era dia de Índio", fazendo coro junto às músicas que sintetizaram em mim a necessidade de um Grupo especial - e hoje também infindo no meu coração -. Entrei sobremaneira em parafuso por algumas atitudes minhas, por ser do jeito que eu era, até escutar "Paranoid Android" (os gritos e os "riffs" do Radiohead têm a capacidade de acalmar almas aflitas - hehehe! -). Na mesma linha, "À Palo Seco" (Belchior), "Punk da Periferia" (por Cibele), "Deja de Pedir Perdón" (de Diego Torres) e, infinitiva e essencialmente, "O Quereres" (interpretada por Gal) me faziam me cogitar como alguém não tão certinho como pensava (e me diziam) ser.

Toda essa viagem no tempo recebeu uma comissária de bordo à altura: "Espacio Sideral", de Jesse e Joy. Nela está também Adriana Calcanhotto e Pedro Luiz fazendo um convite irresistível com "Mão e Luva".

Enfim, é um transporte constante rumo ao espaço ou à rua, pedalando na bicicleta ou vendo as crianças crescendo, o tempo agindo, tudo passando. As canções (e as músicas que estão nelas) talvez sejam o meu alucinógeno, meu entorpecente etc. Dizem que não se deve, contudo eu acho bom fugir às vezes. Com as minhas músicas (as que são caras a mim) não estou jamais sozinho: levo comigo mantras que aclaram esse caminho pelo qual insisto e ainda sigo "Time after Time" (na versão "smallvilliana" de Eva Cassidy).


I will be waiting...


:P