domingo, 11 de setembro de 2011

Diáfano

Amor. Eu não sei se tenho capacidade de falar sobre isso. É. Mesmo, é "isso": palavra indefinida e difícil; noção construída - se eu decido ir pelo caminho duro da ciência - ou o famoso "verbo intransitivo" - se prefiro optar pela sublimidade artística. O fato é que o tal do amor parece estar atrelado a um polvo mágico, imponente com oito braços translúcidos e envolventes. Eu conheço apenas alguns desses "aparelhos motores". Sei também que alguns deles podem cercar, envolver, sufocar... O amor é bonito, mas pode ser perigoso. É uma flor que não se pode comer. O amor é algo a ser cultivado.

Pode-se amar os familiares, os amigos, "as pessoas como se não houvesse amanhã". É possível teorizar sobre essa deslumbrante flor e chegar à conclusão que "love is a losing game". Assim, o amor é colocado dentro das linhas de um caderno; das páginas virtuais de editores de texto; impresso em títulos; pretensamente enclausurado. Eu, de fato, não sei de alguns (ou dos muitos) tipos de amor, que - para minha cabeça inquieta - podem estar naquele polvo com uma flor em um dos braços.

A flor de que falo é vermelha, chamativa, exibida, rara e complicada de se obter, mas bastante cobiçada. Ela está no braço mais escondido, como que protegida pelo vigilante molusco de fantasia. 

Dentro da cultura ocidentalizada, as gentes veem-se tão afins a Ícaro. Quando vislumbrada a beleza rubra da flor, quer-se, a qualquer custo, possuí-la. É como, para alguns, ver um rubi lapidado, um brilhante voluptuoso, que, no fim das contas, não serve para nada além de prestar-se ao deleite. Quer-se sempre o belo, mesmo sem se saber muito bem de qual modo ele será usado na vida. É o mais puro desejo de um tipo de posse cromática, porém disfarçada. É pintado um cenário de busca aparentemente infinda. Quer-se a flor, a flor nomeada "amor": aquela a qual o braço mais guardado vela, vista rapidamente nos ângulos desenhados pelos demais braços, quando da locomoção do ser fantástico. Quatro pares de bailarinos que se mantêm deslizando sincronicamente inconstantes no caminho em rumo do infinito. Os ícaros, desse modo, proclamam estar atrás do amor e seguem no encalço do polvo, que, arisco, agiliza o seu voo aquático. Quando o ser do mar vê-se acuado, mais que depressa, transforma o cenário em algo enganador; a pessoa, assim, não enxerga, indo por caminhos alheios ao objetivo, perde-se nos pigmentos da tinta do desespero. Há, inclusive, momentos nos quais oito forças esmagam os sentidos e o crânio. O fim, talvez.

Alguns conseguem cativar o animal. Eles observam-no com calma, veem como se movimenta, apaixonam-se não só pela flor de beleza inigualável, mas pelo contexto no qual está ela acomodada, como elemento valioso de um conjunto suave e gracioso. Observam que a flor não precisa de ser retirada do braço escondido do polvo diáfano, pois ali é o lugar dela. É a percepção de que escravizar-se por raciocínios de estratagemas, muitas vezes, é tão desnecessário. É o respeito ao contínuo da natureza. Nessa paciência, eles se dão conta de que o polvo está ali para passar, para dançar o seu balé e encantar. Esses poucos tornam-se familiares ao polvo, que, de confortável, esquece-se dos sete elos que protegem a flor cortejada. É possível, se desejado, tocá-la.

Ah! E é no resvalar na flor chamada amor que se completa todo o longo tempo de observação e contemplação do agreste ser vítreo. A sensação de ter nos dedos algo raro, algo lindo e preservado. A delicadeza que não será maculada jamais, posto que fora compreendida e, por conseguinte, respeitada. É quando o essencial foi captado: a flor é parte da beleza, que está presente de forma mais discreta nos outro sete braços, propulsores dos movimentos e da vida (não só a do polvo de cristal, mas a daqueles que afinal percebem que os instantes são definitivos).

Tudo isso é uma metáfora de algo que julgo não conhecer. Eu acredito ainda estar observando os sete braços do meu ser de fantasia; vendo como é possível perceber através deles o outro lado. Já me dei conta, contudo, de que existe um membro especial, destacado por carregar o que dá cor ao já belo, porém reservado na transparência. Eu gostaria muito de ser parte do segundo grupo de pessoas descrito anteriormente, mas me pego diversas vezes arquitetando planos de surpresa em relação ao polvo; roubar-lhe a sua flor; tê-la toda e só para mim. Não é bonita essa violência. Eu só me dou conta da gravidade dos meus pensamentos depois, quando tudo fica escuro e já não o vejo mais - aliás, nem ele, nem a flor, nem a mim. A estaca zero.

Ando preferindo pensar que conseguirei cativar o polvo translúcido da vida. Chegará o tempo de deixar de teorizar para aprender a respeitar os movimentos, que são sábios por irem no seu tempo.