domingo, 4 de outubro de 2009

A Voz

Hoje é um dia triste. Após a primeira vez que a ouvi não me senti igual. Na verdade, ela chegou a mim através de uma pessoa que, quando eu tinha mais ou menos dezessete anos, me mostrou a letra de "Volver a los diecisiete": foi, posteriormente, como realmente decifrar signos, foi como rever as coisas, o começo de uma dolorosa, mas necessária caminhada rumo ao centro de mim mesmo. Sim, devo muito a Mercedes Sosa, mesmo sem ser um dos seus fãs mais ardorosos, daqueles que sabem todas as músicas. Algum tempo depois, ouvi - e não dei tanto ouvido - a sua "Gracias a la vida", e, de ontem para hoje, percebi como é lindo reconhecer presentes. Há certo tempo, foi em uma de suas músicas que me deu força para lutar, para não me acomodar, de fazer parte de um grupo de resistência: "Solo le pido a Dios": não deu para resistir à força da canção. Eu já não podia ser mais indiferente, deixar de enxergar outros lados. Foi Mercedes uma espécie de voz que se ouve ao longe, mas que se quer seguir porque se confia nela. E eu tentei segui-la. Assim também, fiquei triste quando me fez relembrar doloridamente das serpentes em minha vida - que eu ainda as tenho, e como as tenho! -, no entanto me ofereceu a esperança numa paloma para conseguir ser mais forte que elas, ainda que que as matasse e aparecessem outras maiores. Meu Deus, quantas! Falo de "Sueño con Serpientes", em que a ouvi lembrar Bertolt Brecht dizendo que há homens que imprescindíveis vivem, mas que lutam. Queria lutar também. Senti-me forte para isso. Ela foi uma lutadora, pelo que li recentemente, sofreu com a ditadura, ação esta que devastou tantas vidas, tantas almas e sonhos. Ouvindo sua música, sua voz de rio sul-americano - cuja força consegue saciar a sede dos que precisam de esperança para prosseguir na caminhada - ainda conseguia sonhar - e como eu preciso ainda sonhar! - e viver. Sempre precisarei de pessoas como La Negra. Hoje estou triste. Sei que a existência só se confirma através da morte, mas sei lá, ela não está mais aqui. Eu estou chorando porque tenho uma vida que temo se afastar mais do que recebi das suas músicas. Tenho na cabeça a cena de "Unicornio Azul": ele também está indo, às vezes o acho, em outras não encontro onde está. Dói tanto. Sei que as pessoas morrem, contudo não posso deixar de dar as minhas lágrimas como demonstração de que Aydée Mercedes Sosa não veio ao mundo para a indiferença, e não esteve só e jamais vazia e que está e será eterna por meio das músicas que confortam os corações necessitados. Por favor, Mercedes, vista sua manta, suba naquele unicórnio azul e guie-o pelas rotas da esperança e da paz. Toda a vez que sentir escapar a força das minhas mãos buscarei a luz na força vinda de você. Olhe por mim, fale para mim, cuide de todos os que acreditam. Boa viagem, La Negra! Parabéns pelo que fez para a Terra. Meu amor vai com você...

(1935 - 2009)