domingo, 21 de março de 2010

Orgulho

Por tantas vezes me deparei com momentos os quais pensei serem tão sem importância. Hoje, no entanto, eu percebo o quanto eles foram decisivos na inquietação que atualmente me persegue e da qual tive noção da existência: o orgulho. O texto de hoje dialoga com um que escrevi em 2007 sobre a vaidade.

"Quando eu era (mais) jovem, eu pensava que não precisava de ninguém"* é o trecho inicial de uma música que diz muito sobre pessoas orgulhosas. Antes de mais nada, convém lembrar que a palavra "orgulho" é uma moeda, com duas faces: uma boa e outra má. Falarei da perversa.

Sempre fui alguém muito receoso acerca de muitas coisas e isso eu carrego desde os tempos de escola, quando tive contato real com o outro, nas várias vezes em que morria de medo de não ser aceito. Eu sonhava com amigos e situações perfeitas. Com o tempo, vi que coisas assim não vinham, então pus os pés e as mãos na feitura de uma rua onde andava e pensava "rapaz, talvez eu nem precise tanto assim das coisas, talvez nem faça falta me envolver com pessoas". Deste modo me questionava para que serviam algumas relações.

O tempo foi passando e aprendi a fazer as coisas sozinho, consegui ver sozinho e - para minha triste constatação - me tornei sozinho. Ser só virou assim uma condição: não confiar em ninguém, não falar além do necessário, não gostar de ninguém. Apenas quando estive num dos momentos mais críticos da minha vida percebi o que havia construído para mim: a outrora rua tornou-se cidade, uma área cuidadosamente urbanizada do "eu-sozinho". Era tudo tão lindo, ficou tudo tão organizado, tão milimetricamente traçado que, simultâneo ao deleite de ser dono do pedaço, tornou-se insuportável saber que no lugar só havia eu numa casa, eu vendendo e comprando pão, eu regulando o trânsito, eu administrando tudo. Sufocado, vi que não aguentava morar ali. Tudo era tão igual a mim.

O pior é deixar um projeto bem sucedido para trás. Você pode tentar fazer isso com muito esforço ou simplesmente ser forçado a fazê-lo. A segunda opção veio até mim como um tsunami. Ela me fez ver que o nome daquela formidável construção se chamava "Orgulho".

Aparenta ser maravilhosa a sensação de se pensar e se ver acima do mundo, mas parece, ou seja, não é (real); um dia, quando a cegueira do orgulho começar a coçar, é que se perceberá isso. Dei-me conta de sua presença em mim, porém, como disse, não é tarefa tranquila abandonar algo formatado durante períodos vários da vida. Ainda hoje tenho pertences em diversos imóveis da claustrofóbica cidade e por diversos momentos me vejo voltando a ela, ora para relembrar o quanto é confortável estar num local familiar, ora para resgatar definitivamente de lá partes minhas. Esses momentos acontecem, vem e vão; observo que, de fato, não se pode existir sem o outro, sem a sua humanidade refletida no diferente e vice-versa. Eis a questão: há o vice-versa; há o mútuo, independentemente se você quer, enxerga-o ou não.

O Orgulho é um dos amantes da Vaidade, talvez seu mais querido. Quando você se vê nos braços de um dos dois - e, consequentemente, nos dos dois -, fica difícil de ser o que era: é possível notar seus aspectos grotescos e ter de aprender a conviver com eles. O orgulho faz você pensar que não precisa ligar para aquele ser de quem você gosta por considerar algo bobo, ou dizer o quanto o ama e o quer pela infame ideia de ser colocado numa situação tremenda de exposição. É o medo de se mostrar fraco, de reconhecer sua natureza, de ser interpretado como animal humano; ele pode conduzir sua mão à da vaidade para juntos não encararem o mundo do jeito que é, da maneira que você é. Tenho muito a aprender e uma das coisas fundamentais é não mais interpretar trechos de "All by myself". Sem mais papéis: no more "Movies of myself"**. A Vida nos dá diversas oportunidades de mudança, cabe a nós detectá-las através da sua aparência de simplicidade. Parecemos comprar a ideia de que, num mundo como o nosso, não há lugar para o frugal.

Bem, o orgulho é mais um dos demônios que tento exorcizar neste texto. Sei que ele é parte de mim, afinal fui arquiteto da tal cidade. Quisera um dia apenas retornar ali para resgatar os moradores e libertá-los, soltá-los em algo maior que não se encerra nos limites de uma zona fechada. Estou trabalhando nessa nova empreitada. Estou no caminho.


*All by myself
** de Rufus Wainwright

Um comentário:

Reflexo disse...

Amigo, como você também tenho alguns demônios internos e tento tirá-los de mim todo o tempo.Mas, certa vez, escrevi que somos feitos de seres imperfeitos que nos tornam perfeitos" Clarisse Lispector também disse que devemos ter cuidado ao retirar algum defeito, pois ele pode ser o apoio do nosso alicerce interior. Então eu acho que você não de exorcizar o seu mal e sim a partir dele construir algo novo e quem sabe melhor.
Continue escrevendo essas palavras tão doces e profundas.