quarta-feira, 20 de junho de 2012

Replicante

"É realmente isso o que você quer, Pablo?" - A pergunta. Ela foi feita ontem, e, surpreendentemente, não foi por mim mesmo. A minha cabeça, às vezes - ou melhor, às noites -, dorme com esboços dessa questão (que, se custo a pegar no sono, deslindam-se em momentos assustadoramente líricos), contudo, no dia seguinte, sob o Sol da manhã, a Luz vaza para a minha mente, fazendo com que eu, por conseguinte, esqueça e 'acorde para a vida'.


Hoje é mais um daqueles dias em que 'acordo para cuspir' (minha mãe falava essa expressão tresloucada para mim, lá em Aracaju). Eu sento em frente ao computador com a missão de fazer uma parte sempre essencial do meu trabalho de investigação. Pausa dramática. Lendo o período anterior, vejo que ele soa enfadonho, no entanto o que é o cotidiano senão monótono. "Poderia eu fugir disso?" (Réplica esquizofrênica) Não. Ah! E se for drama, cabe a definição, visto confirmar (e relembrar) a outra parte da dicotomia da comédia que é viver. Eu sei dela. Dói, entretanto eu também sei que todos nós vivemos de papéis. 


A pergunta de ontem foi em relação a isto: a infalível e massacrante obrigação de materializar o Futuro. Futuro, um dos demônios que me perseguem.  Foi uma pergunta cruel na sua ingenuidade.  Eu, logo nesse momento, em meio a sessões de filmes de Bergman. Perigosíssimo. Acho que acordei com vontade de escrever porque me senti atingido por 'Depois do ensaio' e a estranha contiguidade da obra de 1984 com a pergunta de ontem. As falas da película, jogando na cara de todos a complexidade de ser socialmente, a nossa vaidade e o grau de mediocridade a que se pode chegar, enfim, a urgência de atuar. Verdades que eu e a população mundial douta ou instrumentalmente sabe. Eu sou ciente da minha suscetibilidade exacerbada a algumas coisas, mas a pergunta me deixou bastante estranho. Enquanto isso, 'acordar para cuspir', o computador e o meu trabalho de investigação se perdem nas minhas conjecturas tão fiéis.


Tratando mais especificamente da interrogação - a despeito de ter disparado uma réplica verdadeira -, ela se relaciona basicamente a tudo o que escrevo: o não saber. E, aqui, não estou usando de sofismos. Claro ficou, claríssimo está, para mim, que a pergunta não teve conotação direcionada à produção de concepções existencialistas, pelo contrário, eu acreditei nela porque percebi, e percebo, a sua coerência dentro de um contexto que a sustenta, que a impeliu a ser - como nós linguistas dizemos - enunciada. Contextos e conjunturas. Sobre isso, eu nem quero mais pensar (e divagar) tanto. O transporte para outras questões mais amplas feitas por mim, aqui, pode se dever, em parte, à exposição a Bergman, bem como ao meu constante ofício de ser o inquiridor de mim mesmo. Quero dizer, é comigo; sou eu. Ponto. Traços de egoísmo. O atingir de uma pergunta como a que abre este texto traspassa quem a fez, onde foi feita e as questões que a derivaram. A minha resposta para ela, talvez uma mais real, é um rotundo eu-não-sei. Quiçá nunca, jamais o saiba. Porque por não saber é que estou aqui, é que, por exemplo, este blogue existe. Quero dizer mais: para quem se sentir outro, alheio a estas palavras que me revelam, desconsiderem tudo; tudo; apeguem-se ao que mais lhes aprouver ou for de necessidade, eu ligo pouco para isso. Escolham a personagem que melhor satisfaça projetos e planos. A minha personagem social trabalha a covardia como uma das matérias-primas para atuar. Ajo, portanto, de modo inofensivo. Eu ofereço a personagem sem queixas, porque ela é o meu mal mais necessário.


Tudo isso pode abrir espaço para sentidos de laconismo, mas acontece que, ontem, eu fui dormir pensando sobre mim, sobre o/um mundo pesado de coisas. Hoje, no banho, lembrei da questão-ultimato, no momento da revelação, em frente do espelho. Imenso e infindo espelho. E aí? "É você, Pablo" - pensava. Sim. Sou eu. Eu só.


Então, para terminar isso aqui - pois preciso trabalhar -, penso que não se deve perguntar coisas assim a qualquer pessoa, a qualquer tempo, de qualquer modo. Mesmo simbolizando algo de cumplicidade, se assim for feito, as respostas poderão ser réplicas. Eu, aliás, poderia - talvez, deveria - ter solicitado uma semana para responder, mas cada vez mais sinto e vejo que não há tempo, não temos tempo. Nenhum de nós. E já que preciso dar réplicas, sabendo que o faço e sendo do jeito que sou, preciso de espaços para digerir o que roda a minha cabeça, a qual sofre e pende para uma covardia legitimada. Assim, eu preciso parar, respirar. Acho que Bergman não está me fazendo 'bem', e eu nem assisti ainda a 'Persona' e a 'Sétimo Selo'.

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