domingo, 9 de maio de 2010

A origem do Amor

O que é isso? Eu não sei. Talvez nunca saberei. Começou há muitos anos, muitos mesmo, para lá de vinte. Foi sempre uma relação intensa de dependência, de entrega, de amor notadamente unilateral, que foi crescendo e se transformando no que não sei explicar. Já é parte de mim.

Não me recordo bem quando primeiro vi o seu rosto, nem quando notei seus modos, tampouco quando comecei a incomodar-me com seus defeitos. Tudo aconteceu tão sinceramente: de repente, eu estava dizendo a mim mesmo coisas que antes não faziam parte do meu código de conduta. Percebi então que aquilo não era igual às outras coisas. Em dias específicos, a televisão e o rádio relembravam a sua importância, as placas, os cartões, tudo parecia girar na direção daquilo que para mim era belo e inédito, ainda que soasse forçado.

Com incentivos mil, dentro de um castelo, frequentei ambientes esclarecedores sob constante julgo. Cresci. Li teorias, deparei-me com definições complexas e assustadoras e todas aquelas coisas tão racionalmente estúpidas - que podem fazer de você escravo de escravos -. Eu mudei. Desconsiderei presentes, carinhos e demonstrações que vinham para completar e apontar direções a mim, as quais não pude ver, pois vestira uma venda opacificadora de seda. Foi quando percebi mais, que senti mais, que me tornei mais irascível, relutante em constatar que estava ali a resposta das coisas, o centro de tudo, a força motriz da minha existência.

Assim a vida foi andando - como eu e a minha sofisticada venda -, trazendo as cinzas que pintam os cabelos das pessoas e mancham as suas almas.

Quando as cinzas chegaram e tentaram invadir tudo, esbarraram numa fortaleza represadora de tudo nocivo e sem vida ao habitante de si. Ela fez tudo sozinha, forte e cheia de vontade para batalhar contra ventos naturais de ingratidão, granizos de grosseria e a poeira dos esquecimentos. O Tempo e seus sopros sucessivos abriram brechas nas paredes da Fortaleza, fazendo com que eu, o morador do templo, sentisse uma pontada gélida de Sereno. Ele brincou comigo e forçou-me a tirar a venda com as minhas próprias mãos. Eu, desolado, constatei: a Fortaleza estava grisalha e não tinha como mudar isso. Era hora do príncipe sair e ver o tempo, sem mais tapas, sem mais sedas. Tinha de usar o oferecido a mim e encarar de frente as condições da brava Fortaleza cujo corpo foi, durante anos, o meu abrigo mais resistente.

Hoje, muito aos poucos, venho aceitando a condição de restaurador predestinada a mim. Como todo novo ofício, enfrento dúvidas de know-how (sofrendo pela possibilidade de macular o meu agora frágil forte). Vejo a Fortaleza e noto como o Tempo pode ser implacável com os talhes, porém ele é necessário e não oferece prejuízo maior quando - mesmo fustigando a pedra de fortalezas - não demove os seres da sua proposta fundamental, se mantida até o fim. É emocionante perceber que pouquíssimo pôde atingir-me nos tempos em que estive ali, preservado, com a vida crescente e dependente da força matricial.

Nada, no entanto, é eterno e o Tempo, por conseguinte, muda mundos, traz virtudes e vícios a serem filtrados; ele aos poucos vai tornando vulneráveis até mesmo as construções aparentemente infalíveis. Fica nítido, são mais suscetíveis à destruição natural as obras mais humanas. É preciso sair e construir a nova fortaleza que protegerá do Tempo a pioneira.

Continuo não sabendo quando começou o processo mágico. Não preciso ater-me a pormenores para ter ciência de que é chegado o tempo de proteger, de repensar e ponderar sobre como preservar a árvore divina chamada MÃE. Na minha primeira juventude, aquela impaciência de perceber os defeitos nada mais era que o resultado do estranhamento de dar-me conta da semelhança entre a minha mãe e eu: a esquisita sensação de enxergar em uma só pessoa o seu passado, (muito do seu) presente e (a possibilidade d)o futuro; de saber que, no fundo, ela e eu somos um só num exercício excêntrico de alteridade.

As mães são a ligação mais estreita que temos com Deus, posto que são só amor. Elas têm a mão do Criador guiando os seus passos e conselhos. Isso me faz ver que existem diversos momentos nos quais suas palavras são mais do que simples frases (taxadas bobamente por nós como "chatas"). Seus atos, conselhos e admoestações contêm sabedoria ímpar, porém necessários de reflexão para o efetivo entendimento. O Tempo também traz isso para as fortalezas: as mães, à medida que vão aproximando-se de Deus, passam a falar em força uníssona com Ele. A nós, filhos, cabe escutar mais e preservar a árvore original que durante tantos anos guardou e adminstrou-nos a seiva mais pura, a quintessência do amor.

As mães são a origem do amor. A minha mãe ensinou-me tudo o que sou e deu-me o que possuo de mais nobre.

A ela todo o amor, desde a sua origem.

A todas as mães este texto, uma ínfima homenagem àquelas que, em cada estágio do Caminho, revelaram e ofereceram a mim laços maternos (atados eternamente aqui dentro de mim) chamados AMOR.

Obrigado.

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