domingo, 15 de agosto de 2010

Paratodos

[AVISO: Este post tem dois vídeos. Sugestão: antes de começar a ler, carregue-os (ou, pelo menos o primeiro), pois ilustram o escrito.]

No último texto, tratei sobre ignorância. Neste, voltarei a falar dela e da sua inflamação, a burrice.

É um tema complicado. Muitas vezes, vi-me diante de situações as quais desejei não ter de presenciar, tampouco de saber. Não acho bonito o ódio e não sei por que algumas pessoas parecem estar tão alheias à sua presença vil. Tem dias que fico triste mesmo, muito por ver como estamos; às vezes, em dias de inquietações mais agudos, temo por mim e pelo mundo, como vamos viver daqui a algum tempo. Eu já tentei não ver tanto, mas é muito difícil.

O mundo é hoje vendido como livre de várias amarras do passado apresentadas a nós pelos livros de história. Os manuais da História são necessários panegíricos ao triunfo humano da derrubada de obstáculos colocados em seu caminho, diversas vezes, pelo próprio homem. Como em todo texto laudatório, há a necessidade de carregar em personagens que ratifiquem a supremacia de outros, às vezes sendo representados como verdadeiros mocinhos e abjetos vilões. Há os personagens secundários, aqueles presentes na narrativa a fim de dar plano ao desenvolvimento dos fatos. Isso, para quem lê e relê as histórias históricas, acaba por ficar particularmente visível; é possível, então, ver que as coisas, muitas vezes, têm outros lados possíveis, outras direções: ou seja, nada é puro e puramente dicotômico.

Há cem anos, morria o abolicionista Joaquim Nabuco. Eu não sabia. Estava olhando a página inicial do UOL e vi uma marca divulgando o projeto do Jornal do Commercio, de Pernambuco (para ter acesso ao especial clique aqui), sobre o centenário de morte do intelectual pernambucano (para ser exato, lembrado desde o dia 17 de janeiro). No hotsite do projeto existem alguns textos interessantes sobre a questão do que é ser negro no Brasil contemporâneo. Tocado pela proposta e pelos meus últimos pensamentos, resolvi mergulhar o dedão do pé na correnteza conturbada de ideologias que cercam a questão. Ainda ontem, estive lendo um dos textos do site "Viomundo", do jornalista Luiz Carlos Azenha (aqui), no qual ele relata as mudanças políticas ocorridas de alguns anos para cá no contexto social. Havia no texto de Azenha a descrição de um mundo em que não havia espaço para as diferenças - tendo inclusive estas expressas no texto -, lugares em que, segundo ele, não se enxergam com simpatia a presença de "pobres, morenos e deselegantes". Em outra nota, ainda no mesmo site, havia uma notícia sobre Ali Kamel, o diretor da Central Globo de Jornalismo (CGJ), em que o repórter da Record ressalta algo ligado a perseguição política. Lembrei-me de que o nome de Kamel não era estranho a mim (a despeito de lê-lo ao fim dos telejornais globais). Depois de puxar um pouco mais pela memória, recordei-me dum famoso livro dele intitulado "Não somos racistas" - no qual argumentava estar a questão do preconceito mais ligada ao âmbito social do que ao da cor da derme populacional -. Fui ver uns vídeos no Youtube nos quais o próprio aparecia. Assisti a uma conversa dele em alguma feira literária falando sobre o assunto e defendendo seu ponto de vista. Depois, ainda dentro do tema, vi uns vídeos do comentarista Arnaldo Jabor e um relato de Chico Buarque. Chico - largamente conhecido e respeitado - ressaltou que sofria preconceito pelo seu genro Carlinhos Brown. De imediato, veio-me à cabeça o dia no qual o percussionista baiano tinha sido agredido com garrafadas no Rock in Rio de 2001. Pelo que deu para perceber, naquele momento, a agressão não foi por causa da cor do cantor, mas por ele estar cantando música brasileira num palco lotado de roqueiros ávidos por bandas como Guns N' Roses e Iron Maiden:


Acima, exemplos ilustram o que quis dizer no início deste texto. Mesmo não sendo a Regina Duarte, eu tenho medo. Simplesmente não entendo a razão de ser dessas coisas. Os manuais consagrados estão aí mostrando erros terríveis de outrora ainda louvados por muitos de nós hoje. Uma vez mais, vejo que neste mundo "novo", "livre" (e por que não "admirável"?) - que, através de névoas, alija pretos e brancos, pobres e ricos, rock e regional - segue separando claramente teoria da prática. Como é triste observar que os avanços são atrelados àqueles incapazes de desgarrar-se de um passado que mostra o preço pago por quem costuma fechar os olhos para o que vem. As drogas várias mandam num mundo separador de sorrisos (de folhetim) e queixumes (de denúncia) em polos, nos quais se mata e se morre para alcançar e abandonar. É triste que cada vez mais caminhe-se para uma individualidade suicida, um uníssono do refrão de Live and Let Die; ver pessoas não respeitarem as outras só porque estas gostam de um estilo musical pouco prestigiado, ou pelo que elas fazem sexualmente dentro do quarto, ou ainda por alguma diferença que independe do arbítrio da parte ridicularizada. A merda é que o mundo mostra-se assim e não se problematiza largamente sobre isso: quem tem a possibilidade de trazer o debate e o esclarecimento, na maioria das vezes, não faz, isto é, negligencia urgências. Vamos todos morrendo e matando num desconhecido ódio cego, assim.

Não defendo este ou aquele ponto de vista. Afinal, já existem muitos "intelectuais" e pessoas que levam as suas estupidezes idiossincrásicas adiante, borrifando-as por aí, montando e defendendo trincheiras numa guerra invisível, mas ativa. Eu, aqui no meu canto - quando posso -, tento ouvir, interpretar e me defender das ideologias-bombas lançadas diariamente. Vejo, com tristeza, o que não queria ver e me pergunto por que as pessoas não podem enxergar o outro como alguém humano que tem dúvidas e problemas comuns aos que sabem falar uma língua. Tudo parece tão normal. Ações impensadas como um comentário pejorativo ou uma gracinha desnecessária machucam sentimentos e deixam marcas. O vídeo anterior dá uma amostra da falta de noção de alguns seres ignorantes ou burros. Eu tenho medo dessa gente invasora, no entanto não queria odiá-las, eu, aliás, não queria ter de odiar ninguém. Não quero aprender o desprezo pelos diferentes de mim, pelos não intelectualmente iguais a mim, pelos possuidores das coisas que desejo e não tenho, e vice-versa.

No vento, há tantos conselhos para se respirar melhor. Por que não levá-los em consideração? Por que não notá-los e guardá-los? Ouvir é de graça:


De verdade, queria muito, ainda nos meus 24 anos, que as pessoas se enxergassem mais como humanos possuídores de juízo para analisar seus atos; fossem seres batalhadores por seus objetivos sem se negar a ver o outro, considerar ambas histórias e todo o conjunto de mundos que o acompanham. Se ouvissem mais música e dançassem menos... Eu não sei.

Um comentário:

Anônimo disse...

É realmente muito triste vir aqui, depois de ler a sua postagem assinar em baixo de cada letra aqui digtada!
Queria eu poder dizer que as coisas não são bem assim, pois muitas vezes me deparo com essas situações absurdas e ao meu ver idiotas que a população insiste em reproduzir a todos os momentos, independente de tempo e lugar.
Parecemos idiotas reproduzindo os mesmos erros. Não somos sábios, a humanidade é burra, pois sabios são aqueles que aprendem com os erros dos outros e nós, apenas repetimos erros históricos e os reforçamos de uma forma cada vez mais grosseiras.
Ainda muitos tem a covarda de dizer: eles eram idiotas ...
E nós?!
O que somos?!
Sem palavras a escrever por aqui.
Só deixo registrado a minha indignação!