domingo, 8 de agosto de 2010

Precisa-se de um amplexo


"O brave new world/That has such people in't"*
The Tempest, William Shakespeare

Ah, o mundo! Meu Deus, o mundo... Quando, no mês passado, fiquei indignado por um homem ter feito piadas de cunho preconceituoso na turma da autoescola, eu não havia me dado conta de que certas coisas terríveis estão vivas; vivíssimas, aliás.

Próximo mês - está planejado, e cercado, inclusive, de todos os percalços residentes na palavra "planejamento" -, as coisas tendem a tomar um novo rumo na minha vida. Durante os últimos momentos da minha estada na universidade (...), eu fui esmorecendo, murchando como um crisântemo amarelo sem sol: estranho, a luz parecia estar distanciando-se do vaso, ou o recipiente estava sendo puxado para longe dos raios solares. Sem saber qual o real motivo, o fato era que não tinha o mesmo viço daqueles tempos importantes. Mas esta já é uma história recorrente e que não quero falar sobre. Hoje, na iminência de dar o tal novo passo, cross the Rubicon, dei-me conta do tanto a fazer.

Comecei o texto relembrando o rapaz lá da autoescola e seu comportamento de não entender as minhas considerações (acerca de piadas daquele tipo, de como me incomodavam). Ele agiu de um jeito esquisito (para mim) e, por consequência, o clima ficou péssimo. Agora, analisando mais friamente a situação, percebo que muito da tensão causada nos momentos posteriores também tiveram a minha contribuição. Não nos falamos mais depois daquele dia. Eu evitava olhá-lo nos olhos e ele também fingia que não me via. Como fomos infantis. Deus, eu fui tão imaturo! "Logo eu..." Comportei-me como quando no ensino fundamental, em que, agredido por alguém, fingia não ver a pessoa e as coisas morriam por ali. Entendo que a reação dele teve um motivo: sua ignorância. Ele simplesmente não tinha noção da história dos oprimidos que lutaram para que ele próprio estivesse ali sentado, numa turma de autoescola privada. Ele mostrou-se produto da nescidade alimentada pelo mundo em que vivemos. Foi esta estupidez que estava me roubando a força.

É incrível como eu escutei tanto, vi exemplos e, ainda assim, tentei fechar os olhos. Constatei que é duro demais fazer isso, no meu caso, impossível: uma vez avistado o Sol, tudo passa a ser diferente; veem-se as cores, mas sente-se o calor também. Tem dias nos quais a intensidade dos raios é muito forte, e incomoda. Foi justamente nos momentos de maior incômodo que quis voltar a não ver e dançar a estranha valsa dos que se vendam para viver. Mas, para mim, fechar os olhos não funcionou. Não consegui. Eu não consigo. É inútil o esforço imprimido, a minha natureza (paradoxalmente inquieta e tão mansa) fala mais alto.

Algo me puxa e por mais que tente ir contra a força, simplesmente, não dá. Sou incapaz de fazer de conta que este mundo néscio consolida-se cada vez mais "admirável" com pessoas afins, que não refletem e só pensam em se divertir, fugir; não posso desconsiderar o sem-número de lugares-comuns nos discursos daqueles que só visam o poder, a possibilidade de dominar, de estar estável e dar as costas para os que são fodidos. Por outro lado, penso nos tais "fodidos". Deveria eu ter compaixão desses idiotas que se deixam entregar, que não criticam, que vão pelo caminho mais fácil mesmo vendo a vida ser igual a merda? Volto a tentar encontrar culpados e inocentes, heróis e vilões e não acho. É o clichê do círculo vicioso num mundo altamente precisado de clichês. Por muito tempo quis estar em uma destas categorias maniqueístas (tornar-me um pateta - propriamente dito e, pior, cônscio da transformação), no entanto nem mesmo sei o que sou, pois as coisas que faço têm uma intenção que no fundo pode ser tão impudente quanto a de um político corrupto nojento: quem me assegura que eu também não queira ter poder e, em seguida, dar as costas a quem não "conseguiu"? Afinal, nasci e cresci assistindo à TV neste tal mundo "livre". Coisas que não encontro solução. Por que esta sensação de velhice aos vinte e quatro anos quando todos estão saindo à noite e bebendo para sofrer no dia seguinte? O sentimento de estar à beira do fracasso se vejo jovens ridentes nos seus carros de comercial? Mas que fracasso é este? O que seria a "vitória"? Quem disse? Já fui o bom estudante, o menino-modelo, o que quase reprovava, flertei com a vida de alternativo, quis ser moderno e vi que, no fundo, todos, mas todos mesmo não têm a segurança que aparentam tanto. Todos precisam de fugas e o mundo dá-nos a todos as dosagens desejadas. Sereias distribuem as doses de escapismo tão sensuais, tão atrativas, tão fatais. As tribos, as piadas, as injustiças envernizadas de preocupação barata não são invisíveis aos meus olhos. Os projetos sociais e as campanhas isoladas em determinados momentos e segmentos e amplamente televisionados parecem distribuir novas capas para velhos aleijões. Não é ódio ao mundo o que escrevo aqui. Não. Acontece é que voltam a mim as perguntas, a questão: Deveria tomar essas pílulas malditas sem ler-lhes as recomendações dos que vieram antes? Suspeito qual a resposta.

Seria hipocrisia minha dizer que vou me recusar a usar as doses de "vícios amáveis", pois - assim como qualquer habitante do planeta que não padeça de depressão profunda - não quero morrer. Quero muito viver, por isso tenho de aprender a louvar Darwin. O mundo não é para gente como eu, mas eu não quero nem saber disso: já estou aqui, terão de me engolir enquanto mastigo as porcarias de açúcar refinado oferecidas por ele.

Um volta está próxima. Aos poucos vou aprendendo a ser quem eu sou. A aceitar o modo ao qual estou encaixado no momento. Afinal, ter 24 não é propriamente estar velho, mas, ao mesmo tempo, não é ter 14. Estou indo atrás da minha vida, da minha história. Vou para a Estrada.

"Quem pensa por si mesmo é livre e ser livre é coisa muito séria."**- melhor que Darwin (Ôps!)...


* Oh, admirável mundo novo / Que encerra criaturas tais em si." [A Tempestade, William Shakespeare]
** L'Avventura - Renato Russo [A Tempestade, Legião Urbana]

Nenhum comentário: