quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ira

Então, hojei resolvi vir aqui para escrever sobre algo que não estruturei direito na cabeça. Estou meio para baixo. Por um conjunto de coisas. Umas relevantes, outras nem tanto, mas que precisam sair de mim. Mais uma vez, surge a necessidade de exteriorizar demônios.

O que me traz aqui é falar sobre uma coisa que me desmotiva muito. Na verdade, eu penso, quero fazer alguma coisa, mas, na maioria das vezes, desanimo. Estou falando sobre ódio. Eu vejo e escuto cada coisa. Fico pensando sobre outras. Dia desses, estava no Facebook e vi no perfil de uma amigo aquela atriz, agora DEPUTADA estadual, falando sobre os homossexuais. Ela, mais ou menos, dizia que não tinha preconceito nem era do tipo que discrimina, mas defendia que uma pessoa não pode ser punida legalmente por demitir (ou não admitir) outra pela ciência de sua orientação sexual homoafetiva. Além disso, relacionava a homossexualidade à pedofilia, um desvio monstruoso. Ela falava arrogando para si mesma o título de "missionária católica", ou algo do tipo. No seu discurso, carregava uma instituição. Anteriormente, houve um episódio com outro deputado, mas de âmbito mais abrangente, fazendo declarações discriminatórias, que dispensavam a falácia de aceitar "o outro" (aceitação nos espaços delimitados por uma hegemonia). A reboque dessas declarações infames, como consequência, vieram as pessoas que defendem os direitos civis das minorias atingidas. Eu presenciei muitas marchas com diversos títulos, que queriam confrontar esse tipo de atitude inconsequente e nociva. Acompanhei ambos os lados, por uma parte, atingido pela enxurrada de notícias e declarações midiáticas, por outra, por estar envolvido, acreditando serem inconcebíveis tais ações impensadas reforçadoras de agressões quaisquer.

Uma coisa me chamou a atenção: o comportamento das pessoas em relação às outras. Eu não consigo conceber, por exemplo, como pessoas públicas esquecem que não são mais cidadãos comuns, que de certa forma alcançaram projeção, servindo para muitos como "exemplos", símbolos. As gentes notórias (ou seja, autoridades, mestres, líderes e celebridades, por exemplo) são como signos, preenchidos e representativos de pessoas, pensamentos, estruturas. O que vejo é raiva, ódio e uma variada disseminação dele por meio desses vetores animados. Observo que não há preocupação se um ser humano agrediu outro ser humano com uma lâmpada de fluorescente, se a individualidade de um ser humano foi estraçalhada, esquecem que seres humanos que pregavam a paz para seres humanos, foram mortos por seres humanos que não entenderam a mensagem ou estavam pretensamente cegos demais com a própria mediocridade. Acredito que se fosse perguntado aos humanos algozes (não estou falando de assassinos e agressores físicos apenas) de seres humanos o porquê de suas atitudes, a resposta, sem investigações necessariamente psicanalíticas, desembocariam no ódio, na ira que existe em cada um de nós, e que, por falta de Luz, muitos não nos esforçamos para entender e lutar contra. Isso não é bom. Quando uma pessoa pública declara guerra sob o estandarte da paz, da família, numa "missão" (altamente questionável pelo caráter parcial), realmente, não sei no que mais me fiar a não ser no conceito de duplipensamento orwelliano. Será mesmo que a luta é para assegurar o bem? E onde fica o bem quando se maltrata outra pessoa? Quando se faz algum mal a esse ser? Onde está o bem e onde está o mal, de fato? Eu não sei. Só vejo. E sofro.

Ações provocam sentimentos reativos. Depois de tanto sofrer e finalmente alcançar a possibilidade de força, parece que aqueles oprimidos se agarram a uma esperança com toda a força, e, uma vez localizados em trajetória ascendente, pensam em tudo pelo que passaram e numa ação eficaz de não voltar a sofrer como antes. Estabelece-se, então, uma linha tênue e perigosa em que luta pela paz e estabilidade podem se converter em disputa estéril pelo poder: revidar o ódio sofrido com mais ódio a quem fez padecer quem está agora no auge. É quando vêm novas agressões, investidas de defesa forjadas com a espada da ira e escudos do egoísmo. E nos ferimos mais, nos recobramos e queremos que aquilo não fique impune. Alguém sempre tem de pagar, de preferência não nós, que já sofremos "tanto".

Constroem-se as trincheiras, erigidas pelas malditas generalizações: "porque os gays isso..."; "porque os homens brancos heterossexuais aquilo..."; "porque nós temos razões e direitos"; "porque nós demos o que vocês têm agora"; "porque os nordestinos são migrantes pruma vida 'melhor' ou têm que morrer"; "porque na vida só vence 'o melhor'". Exércitos com o intuito de aniquilar uns aos outros numa batalha que se mostra sem possibilidade de fim próximo. As pessoas, animais falíveis e frágeis, consideram-se melhores do que as outras e, o pior, acreditam piamente nisso: depois comem e vão ao banheiro defecar; vão dormir e acordam com mau-hálito; e se se esquecem de escovar os dentes e colocar desodorante, cheiram mal igualmente; e quando morrerem - porque TODOS IREMOS MORRER -, se não enterrados, serão notória massa podre, decrépita, matéria putrefata (na qual não se encontrará um esboço detectável da superioridade crida em vida). Mas isso é irrelevante, a magia das aparências transforma pessoas em deuses e fadas de perfeição, seres habitantes de um bosque mais sombrio que os das histórias de magia medieval.  É o campo do ódio, mas aquele sufocado por nós em nós mesmos, seja por não termos e sermos tudo o que queremos ser, seja porque nunca teremos tudo o que as fotos e as imagens vendem como desejável. A falta de noção da impotência de alcançar uma pseudo-perfeição fabricada nos envenena. Alguém deve ser o culpado. O outro sempre tem que pagar. Então discursos de diferenciação são espalhados, a teoria da ira os sustenta, e assim vamos nos perdendo, embasados por fantasmas, todos...

Talvez tenhamos ódio por um egoísmo que parece ser-nos inerente. Mas não quero com isso dizer -  porque possivelmente tenhamos nascido com - que está justificado. Será que estar neste mundo não significa mais do que acumular? Talvez o que nos distinga dos cachorros, dos lobos e das cobras, por exemplo, seja a possibilidade de pensarmos antes e - principalmente - depois de nossas ações. Eu acho que não dá para confiar cegamente naquilo que se coloca como a solução trazida e dada por outrem; na verdade, eu tenho certeza de que nunca se confia ou se faz algo de todo cegamente: se assim o fosse, por que não incendiamos a nossa casa e nos jogamos dentro da fogueira para acabar com o frio do corpo em certas ocasiões? Todos temos uma mente que pondera que, portanto, reflete. Talvez se observássemos que a vida de cada um de nós tem duas bandas principais, em que uma delas tem a ver com o que você faz de si mesmo e a outra com os outros. Todos temos dois ouvidos que ouvem uma agressão, dois olhos que notam as similaridades com certos ofendidos e um coração que sente raiva e que, acima de tudo, sofre pelo simples fato de ser apontado e não aceito (muitas vezes por coisas que estão fora do nosso alcance de mudança). Quando, por exemplo, faz-se fofoca de que uma pessoa está falando mal de outra, por que não pensar (se não o fez antes) no que aquilo vai trazer de consequência à vida do "informado"? Como ficará então a relação entre as duas pessoas nesse mundo já tão viciado? Será que não será trazido mais mal para a vida de alguém sem considerar que o rádio, a televisão, as revistas, livros e quaisquer outros materiais advindos da mente humana, já não o fazem de maneira constante e disfarçada? É pensar no quanto de ódio se tem para destilar, se se quer contribuir para influenciar vilmente nas relações e na vida de um outro ser, na responsabilidade de interferir na história de um ser humano. Parece que temos de fazer os outros pagarem por toda a miséria que há em nós mesmos: pensamo-nos cegos, que não enxergamos que esse mundo é construído sobre a base de muitos corpos, que, como protagonistas, sofreram por ele e que são citados por conveniência, em mensagens instrumentalizadas por mãos elegidas (como uma lata de alumínio, usada, amassada e reutilizada conforme a proposta).

Este é um desabafo. Não fico contando essas coisas a todos. Acho que não me entenderiam, talvez fossem palavras ao vento; talvez não haja tempo. Aqui no blogue tenho essa possibilidade. Eu vivo rodeado de ódio: ódio que se disfarça no humor; ódio por ser dos jeitos que sou; ódio por estar onde estou. Eu vejo a ira, ainda que disfarçada por discursos bem elaborados, nas palavras do meu semelhante; ira nas páginas de livros louvados e nas suas interpretações dissonantes; nas bocas de pessoas que têm o poder e perdem a oportunidade de modificar algo de forma substantiva, positiva. Mas não sou vítima. Eu também sou agente nesse processo: sinto ódio, raiva e ira. Tenho raiva de várias coisas em mim, na minha vida, nos outros. Fico triste, porém sei que sou humano. Queria fugir, mas tenho ciência de carregar a responsabilidade de viver uma vida minha. Ainda há as flores, afinal. A humanidade, muitas vezes, assusta.

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